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Katsuki estava dormindo, Ura usou um unguento para as escoriações e ele estava descansando. Fiquei o tempo todo sentado no canto do quarto, eu o tinha colocado naquele estado, se não tivesse me envolvido com ele, nada disso teria acontecido. Ele provavelmente estaria vivendo uma vida de adolescente normal, com amigos normais e com alguma pessoa normal, tipo aquele amigo ruivo dele. A conversa com Shinso reverberava em cada célula do meu corpo, tudo fez sentido com a revelação de eu ser a encarnação do deus lobo. Fenrir, filho de Loki, tem a forma de um lobo gigante e está acorrentado. A libertação de Fenrir seria para trazer o Ragnarok, a destruição de todos os deuses e de tudo. A profecia encaixava perfeitamente com o destino do deus antigo.

Se eu já tinha a forma de um lobo, a profecia seria realizada e o pior aconteceria. Passei as mãos nos cabelos e massageei a nuca, precisava pensar em alguma alternativa, não iria destruir o mundo, trazer caos e miséria. Me senti mais velho com o peso do destino em meus ombros, de repente me senti como um velho sábio e totalmente fodido. Olhei mais uma vez para a silhueta em cima da cama, o loiro dormia tranquilamente e o cheiro do unguento preenchia o cômodo. Apoiei os cotovelos nos joelhos e enterrei o rosto entre as mãos, me sentia cansado, estava farto de só trazer desgraça para as pessoas próximas a mim. Talvez eu fosse a maldição da vida deles, talvez fosse melhor se eu só fosse embora, talvez fosse melhor se eu deixasse de existir...

- Ei... – Levantei o olhar para Katsuki, ele tentava sentar na cama e fez uma careta de dor quando levantou o tronco. – Um elefante caiu em mim?

- Desculpa. – Falei com a voz embargada, queria chorar, queria gritar...

- Não foi culpa sua, eu provoquei. – Ele tocou a pasta verde que cobria os ferimentos. – O que é isso?

- Remédio. – Ele cheirou e fez uma cara de nojo. – Eu não deveria ter te deixado sozinho.

- Izuku... – Ele estava desconfortável, algo o incomodava, estava ansioso e com medo. – Fui eu, não sei como, mas eu os provoquei.

- Como assim? – Levantei de onde estava e sentei na beirada da cama.

- Eu não sei, eu te vi saindo com aquele churrasco ambulante e fiquei com raiva. – Eu não tinha sentido aquilo. – Aqueles caras tentaram entrar, mas seu irmão os impediu, alguma coisa sobre hierarquia e respeito... – Segurei sua mão e tentei transmitir calma para ele. – Mas então eu comecei a sentir o corpo formigar e não sabia o que fazer, eu saí da biblioteca e os guardas estavam me olhando esquisito, farejando o ar. – Ah, não. – Eu saí correndo, iria voltar pra cabana e ficar te esperando, mas o formigamento aumentou e aqueles caras vieram pra cima de mim. Eu senti tanta raiva, o formigamento aumentou mais e depois parou, olhei para eles e estavam estranhos, como se estivessem num transe. – Eu ouvi atentamente a cada palavra que ele disse. – O resto você já sabe.

- Eu não senti nenhuma dessas alterações de humor, só... – Lembrei da sensação horrível de medo que Katsuki tinha sentido. – Precisamos saber o que aconteceu, não vou sair do seu lado até termos descoberto tudo sobre você.

- Mas e você? Não deveríamos estar procurando o que você é? – Encarei seus olhos vermelhos por um tempo, desviei o olhar para nossas mãos juntas e respirei fundo.

- Você é mais importante. – Eu contaria para ele, mãos não era o momento certo.

Depois de retirar toda aquela gosma verde fedorenta, reparei que os ferimentos haviam sumido, franzi as sobrancelhas enquanto avaliava a pele totalmente curada de Bakugo. Aquele unguento não fazia milagres, mais uma descoberta sobre o que um lofniano poderia fazer. Ajudei Katsuki a levantar, aparentemente a dores internas o incomodavam, ele conseguia curar o exterior e não o interior? Interessante. Era meu oposto, minha cura era de dentro para fora, a dele deveria ser de fora para dentro. Quando abri a porta do quarto, Shinso estava lá, levei um pequeno susto, como me fazia falta sentir o cheiro dos outros.

DeclínioOnde histórias criam vida. Descubra agora