Acordei sozinho na sala, tinha um cobertor sob meu corpo, nem sinal de Katsuki. Levantei devagar sentindo dor de cabeça, nunca senti dor alguma. Levei a mão até a região dolorida para verificar se não tinha uma ferida aberta, tudo normal, exceto pela dor. Fechei os olhos com força quando uma pontada atravessou meu olho direito, resolvi ignorar a estranha cefaléia e lembrei da noite passada. Não tinha nenhuma evidência de que Katsuki tinha mesmo estado comigo naquele sofá, acabei deduzindo ter sido um sonho. Me dirigi ao banheiro para poder me aprontar para ir para U.A. Entrei no cômodo masageando a têmpora direita com dois dedos, passei rápido pelo espelho, mas parei quando vi as marcas no meu pescoço. Fiquei encarando cada hematoma de boca aberta, cada chupão, cada mordida... Meu rosto ficou num tom de vermelho mais forte que os olhos dele.
- Então não foi um sonho. - Sussurrei para mim.
Não tinha como um ser humano normal não notar isso, o uniforme não iria cobrir nada disso. Sentei no vaso, peguei um barbeador e passei a lâmina na pele fina do pulso, senti a cura sendo ativada. Controlei a respiração e me concentrei totalmente em curar todas as marcas em meu corpo, depois de alguns segundo senti a dor de cabeça aumentar. Franzi o cenho com o aumento da dor e abri os olhos, o corte recém forma já tinha desaparecido, levantei e verifiquei meu reflexo de novo. Tudo certo, corpo novo em folha. Tomei um banho rápido, vesti o uniforme e saí do apartamento com uma maçã na boca. O dia estava abafado, aquele calor que precede uma tempestade. Depois do atentado, as pessoas estavam mais tensas, dava para sentir o cheiro do medo e da ansiedade tomando conta da rua movimentada. Cheguei a estação algum tempo depois, mais um pontada de dor me fez perder um pouco o equilíbrio, apoiei a mão numa pilastra para não cair. Fechei os olhos com força, senti a tontura passar um pouco e meu antebraço coçar. Arregacei a manga do uniforme e aquela marca vermelha ainda estava lá, mesmo eu tendo me curado hoje de manhã a marca vermelha coçava e tinha aumentado de tamanho. Olhei mais de perto e notei um traço preto no meio da mancha, passei o polegar por cima, mas não saiu. O barulho do metrô chegando me assustou e arrumei a manga do uniforme, depois eu olharia isso direito.
Consegui um lugar para sentar e me concentrar em não vomitar, a dor de cabeça estava piorando. O caminho da estação até a escola foi sofrido, as pontadas iam e vinham em ondas de dor que me deixavam tonto. Cheguei na sala e me joguei na cadeira, o mundo ao meu redor parecia distante, como se eu estivesse dentro de uma caixa de vidro. Despertei com um toque em meu ombro, virei rapidamente para encontrar Mina com um olhar preocupado, sua boca se mexia, mas eu não escutava nada. Levantei devagar me apoiando nas mesas, vários olhares estavam em mim naquele momento, outra pontada de dor me fez perder os sentidos das pernas e acabei me jogando na parede, usei meu corpo como apoio para eu não cair. Estava doendo tanto que minha visão começou a ficar embassada, vários borrões se aglomeravam diante de mim. Comecei a entrar em pânico, minha respiração ficou mais acelerada, meus olhos esquentaram e meu dentes doíam. Mais um onda de dor atravessou meu olho direito e se ficou no topo da cabeça, era como um coração batendo rápido dentro do meu cérebro e a cada batida, minha consciência se esvaía. Senti as unhas começarem a quebrar no meio para as garras saírem, olhei desesperado para a porta da sala, tinha que sair dali. Tentei me mover, mas senti alguém segurar meu cotovelo.
- NÃO! - Gritei e o aperto se desfez. Um borrão alto e loiro apareceu na soleira da porta, o cheiro de caramelo me fez ter certeza que era ele. - Katsuki... - Caí de joelho no chão sentindo meu corpo adormecer e minha visão escurecer.
***
Acordei na enfermaria do colégio, a dor tinha passado, olhei instintivamente para meu braço esquerdo, a marca ainda estava ali. Agora o traço preto crescera, ainda coçava, mas não como antes. O lugar estava vazio, olhei ao redor procurando o casaco marrom do uniforme, estava só com a blusa branca. Ouvi passos se aproximando e fingi ainda estar desacordado, a enfermeira estava falando alguma coisa com outra pessoa, não consegui entender muito bem o que era.
- Ele está bem Toshinori. Eu fiz alguns exames nele antes de você chegar. - Eles agora estavam entrando pela porta da enfermaria. - A pressão está normal, assim como os batimentos cardíacos. Estou esperando ele acordar para poder fazer algumas perguntas.
Meu corpo inteiro ficou tenso quando senti aquele cheiro, o mesmo cheiro que senti no primeiro dia que pisei nessa escola. Ferro e chumbo, os dois se aproximaram e o cheiro ficou muito mais forte. Meu lobo começou a reagir ao lobo dele, abri os olhos rapidamente e encarei o homem em pé ao lado da minha maca. Ele era loiro, com olhos profundos e azuis, aquele olhar transmitia perigo; contrariando seu sorriso que transmitia calma e compaixão. Aquele homem era um enigma, não consegui identificar sua categoria, alfa, beta ou ômega.
- Midorya? - A voz da enfermeira chamou minha atenção. - Pode nos dizer o que aconteceu?
- Eu... Eu senti dor de cabeça. - Falei encarando o homem que ela tinha chamado de Toshinori. Ele desviou o olhar para minha marca e a cobri abaixando a manga da camisa.
- Está se sentindo melhor? - Ela continuou perguntando. Apenas afirmei com a cabeça. - Ótimo. Está dispensado, mas não deixe de investigar isso, um desmaio devido a uma dor de cabeça não é muito normal. - Ela escreveu alguma coisa na prancheta que carregava na mão. - Aqui, esse é o contato de um amigo meu, ele é neurologista, aqui está o endereço da clínica em que ele atende, por favor, marque uma consulta. Mesmo que não seja nada, é bom dar uma olhada.
- Obrigado. - Falei pegando o pedaço de papel e enfiando no bolso. Peguei meu casaco e saí da enfermeira a passos largos.
- Espere, jovem. - O homem veio atrás de mim, apertei mais o passo. - Eu sei o que está acontecendo com você.
Parei bruscamente e me virei para encará-lo, os olhos azuis gélidos pareciam enxergar minha alma. Desviei o olhar e virei novamente para seguir meu caminho, sabia que não deveria dar as costas a um lobo desconhecido, mas eu já não estava nem aí para isso. Ele não iria me atacar dentro de uma escola.
- Eu sei o que aconteceu, Deku. - Esse nome, ninguém nunca tinha ouvido esse nome desde que eu saíra do clã.
- Como você sabe meu nome? - Perguntei com raiva na voz, fiquei em alerta, poderia me transformar a qualquer instante.
- Eu explico tudo se você me acompanhar.
- Nem fudendo. Fala logo! - Ele respirou fundo e alguma coisa mudou. O cheiro dele mudou. Chumbo, ferro e... Prata. - Prata? Quem é você?
- Por favor, me acompanhe. - Toshinori se virou e começou a andar na direção contrária da qual eu pretendia seguir. Exitei por um instante, mas decidi segui-lo.