Acompanhei Toshinori mantendo certa distância, ele entrou numa sala ao final do corredor. Entramos num local parecido com uma sala de uma empresa, não tinha nada que refletisse a personalidade dele, ou indicasse algo sobre aquela pessoa. Era tudo perfeito, estranhamente perfeito. Observei enquanto ele se acomodava numa cadeira de couro cinza e indicava uma poltrona preta a frente de sua mesa, sentei-me se frente para Toshinori e esperei que começasse a falar.
- Bem, Deku eu...
- Não me chame assim! - Vossiferei entredentes.
- Certo. Midorya... - Ele olhou para mim em busca de consentimento e apenas ergui uma sobrancelha indicando que continuasse. - Eu me chamo Yagi Toshinori. Já faz muito tempo, mas eu também fui da alcatéia de Hisashi.
- Interessante, não lembro do meu pai ter mencionado você em nenhum momento. - Não consegui controlar o incômodo na voz ao ouvir o nome dele sendo pronunciado por um estranho.
- Eu parti alguns anos antes de você nascer. - Ele passou as mãos pelo rosto e perdeu um pouco a compostura. Ele estava cansado. - Seu pai não ficou muito feliz com minha decisão, ele tinha acabado de se tornar alfa da matilha.
- Isso ainda não explica seu cheiro. - Ele me olhou por alguns segundo e notei um leve brilho em seus olhos, lágrimas?
- Eu falhei com ele. Fui embora da vila, abandonei vocês. - Toshinori soltou um suspiro pesaroso. - Perdi a chance de ver você nascer. Quando você tinha uns dois anos, as coisas por aqui ficaram complicadas, surgiram... - Ele limpou a garganta e se ajeitou na cadeira. - Sugiram alguns problemas. Quando sua mãe...
Ele parou de falar nesse momento, a pose imponente que ele ostentava a alguns minutos agora desaparecera por completo, restando apenas um homem com ar de cansado. Permaneci quieto e imóvel, aquela parte da história causava um sentimento horrível em mim, lembrar da minha mãe nunca era bom.
- Depois da sua mãe, as notícias de que você nascera alfa chegaram até mim. Eu estava começando a me preparar para voltar, queria ver você e Hisashi, mas tudo complicou novamente. Apareceram caçadores aqui, um grupo de elite. Eles têm grande poder nessa cidade, tive que ficar nas sombras por muito tempo. - De repente algumas imagens da casa de Mina passaram diante dos meu olhos, todos aqueles artefatos... - Então quando eu soube o que eles tinham feito com ele, acabei perdendo a cabeça. Foram anos sombrios, Midorya.
- Se você era da minha alcatéia, como explicar a prata? Apenas alfas verdadeiros têm prata no sangue. - Então um clique se fez na minha mente. - Só existiram três alfas verdadeiros na matilha... - Minha respiração parou, senti meu corpo todo congelar no lugar. - Meu avô, meu pai e eu.
Encarei Toshinori esperando que ele fizesse alguma coisa, levantasse da cadeira e me abraçasse; desabasse em um choro copioso; gritasse comigo... Qualquer coisa para me tirar desse estado de torpor. Mas ele apenas me encarou de volta, com aqueles olhos azuis gélidos e duros, talvez esperasse alguma reação minha, assim como eu esperava dele. Mas nenhum do dois fizeram algo, tudo passava rapidamente em minha cabeça, meu pai; eu me tornando alfa líder da matilha; a guerra; a maldição... A desgraça da maldição. Fui tomado por um acesso de raiva repentino, esse merda poderia ter voltado há anos, poderia ter ajudado em tanta coisa, meu pai ainda poderia estar comigo caçando nós Bálcãs.
- Você. Não. Fez. Nada. - Minha respiração estava saindo com dificuldade. Meus batimentos estavam acelerando mais e mais. - Você. Foi. Embora. - O barulhos dos ossos quebrando e solidificando invadiram meus tímpanos. - Ele. Morreu. - A voz saindo de mim já não era mais humana. - E. Você. Não. Fez. NADA!
Avancei no homem sentado a minha frente, fosse quem fosse, meu ódio só aumentava. Ele conseguiu me jogar pra longe, bati contra uma estante e suas prateleiras se quebraram com o impacto. Fixei o olhar nele, já não tinha mais instinto de caça em mim, só restara ataque e raiva. Senti a saliva escorrer pela minha boca enquanto assumia uma posição intimidante de mostrar os dentes e arquear as costas, pronto para atacar. Avancei novamente, dessa vez cravei os dentes no antebraço dele, mas ele conseguiu me erguer envolvendo o braço livre na minha barriga, fui jogado no chão de cabeça. Pisquei algumas vezes para dispersar a tontura, assumi mais uma posição de ataque, mas antes que eu pudesse fazer qualquer movimento, uma dor horrível passou pelo meu antebraço e se fixou no rosto. Meu maxilar estava sendo deslocado, realinhado, senti os ossos novos nascendo. Meu nariz estava sendo remodelado, a cartilagem quebrando e reconstituindo. Rugi de dor antes de cair de joelho no chão, minha cabeça estava abaixada, conseguia ver os pingos de sangue no chão decorrentes da nova alteração no meu corpo. Meu antebraço queimava, mas a cura não parecia surtir efeito algum naquilo, passei as costas da mão na boca e senti que estava diferente. Com um salto, fui até a mesa de Toshinori e olhei meu reflexo no vidro temperado, uma besta me encarava de volta.
Olhei aquele reflexo horrorizado, meu rosto estava completamente igual a de um lobo, o focinho, os pelos verdes como meu cabelo cobrindo toda minha pele, os olhos pequenos e aterrorizantes de um predador brilhavam esmeralda mais intensamente. Rosnei para aquela coisa me encarando de volta e quebrei o vidro com um soco, caí por cima dos estilhaços sentindo cada ponta afiada perfurar minha pele. Me permiti ficar ali por um tempo, quando não pude mais sentir o lobo me afastei e fiquei sentado no chão olhando perdidamente um ponto qualquer. Dobrei a manga do uniforme e a marca aumentara de tamanho, agora formava um adorno em forma de "v". Quase como uma moldura esperando seu encaixe, a presença de Toshinori na sala não passava de uma mera lembrança, me assustei quando ouvi aproximar-se de mim. Ele agachou ao meu lado olhando bem para o contorno preto em meu antebraço, deixei-o tocar e seguir o traço com o indicador. Seus olhos encontraram os meus e no lugar do azul frio como gelo, estava um verde esmeralda caloroso e familiar. Eram iguais aos do meu pai, iguais aos meus... Segurei a vontade de chorar com um nó na garganta.
- Você tem a marca. - Ele olhou para o desenho preto e depois para mim. - Ah, Midorya, você tem a marca de Lofn.
Desculpa o capítulo pequeno, prometo compensar no próximo!