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Os únicos sentidos que minha racionalidade ainda conseguia sentir eram o gosto metálico do sangue na boca, o vento chocando contra meu pelos enquanto meu focinho o rasgava pela velocidade e a sensação do solo e dos gravetos secos quebrando sob minhas patas; o resto parecia distante, os barulhos, minha visão... Era como se eu estivesse preso dentro do meu próprio corpo, eu era um expectador, capaz apenas de assistir e não de intervir. A profecia se concretizou no momento em que tomei a decisão de deixar a parte selvagem assumir o controle, agi por impulso e me arrependi segundos depois. Os Caçadores tinham conseguido o que queriam, eu me tornei o instrumento do plano doentio deles.

Tentei retomar o controle da minha mente e do meu corpo, mas já era tarde demais, o lobo dominava tudo. Meu subconsciente me colocou numa espécie de sala com um telão que mostrava o que meu corpo estava vendo, tentei chegar mais perto, mas algo me impediu de ir adiante. Meus pulsos estavam mais pesados, assim como meus tornozelos, desci o olhar e vi grossas correntes os envolvendo. Não tinha mais nada ao redor além daquele telão, puxei o pulso esquerdo com força na tentativa de quebrar a corrente ou a algema, mas foi em vão.

Agarrei as correntes dando duas voltas nas mãos e puxei, coloquei toda a minha força naquela nova tentativa, porém só esgotou minhas energias. Olhei para o telão, eu estava indo em direção ao Clã Vulpe, o que eu iria fazer? Matá-los? O desejo por sangue era tão intenso naquela forma bestial, estava entrando em desespero. Então ouvi uma risada grossa vindo do outro lado daquela sala, virei em direção ao som e não consegui acreditar no que estava vendo. Era... era eu! Mas minha aparência estava diferente, mais sombria e com um sorriso assombroso nos lábios. Não, aquilo não era eu.

- Quem é você? O que é isso? – Perguntei tentando manter uma voz neutra, aquela cópia sombria pendeu a cabeça para o lado como um cachorrinho e me olhou curioso.

- Não sabem quem sou? – Me mantive em silêncio e ele alargou mais o sorriso, aquilo enviou calafrios pelo meu corpo. – Ora, não é óbvio? – Ergueu os braços e deu uma volta parando de frente para mim. – Sou você, só que melhor.

- Impossível... – Senti minha voz morrer ao poucos no fundo da garganta enquanto encarava aquela coisa.

- Sempre estive aqui, trancado no fundo do seu subconsciente. – Ele deu alguns passos em minha direção e senti os pelos do corpo eriçarem com a presença do perigo. – Amaldiçoado desde o nascimento, treinado para usar sempre a razão, privado de sentir emoções fortes como a raiva. – Por mais que eu não quisesse admitir, fazia sentido. – Tudo isso para impedir que eu me manifestasse, nunca te disseram que Fenrir nem sempre foi o monstro que os deuses acreditam?

- Onde quer chegar com isso? – Olhei mais uma vez para o telão, estávamos mais perto. – O que irá fazer com os Vulpe?

- Ainda não decidi direito. – Ele seguiu meu olhar para as imagens da floresta e fez um biquinho. – O que acha de pegarmos a energia do Kitsune? – Arregalei os olhos e o olhei em choque.

Do mesmo jeito que os lobos tinham um Alfa, as raposas tinham um Kitsune, um líder que detinha um poder incrivelmente poderoso e importante para a floresta. Matar um Kistsune era condenar a vida de todos os seres sobrenaturais da Romênia.

- Não gostou do plano? – A coisa sorriu de modo macabro. – Sempre imaginei como seria ter um Nogitsune dentro do corpo de um Alfa.

- Você quer transformá-lo na versão sombria?! – Meu coração martelava no peito, tão forte que quase era capaz de ouvi-lo. – Vai destruir tudo! Os Vulpe não deixarão que chegue perto do líder deles. – Ele me olhou de soslaio com um sorriso travesso.

- Tem certeza? – Desviei o olhar dele para o telão e vi os guerreiros tentando conter meu corpo.

Meu clã olhava em minha direção com assombro, senti a sensação das presas perfurando a cabeça da primeira vítima e o gosto do sangue em meu paladar. Senti que minhas pernas perderiam as forças com aquela cena horrível diante de mim, tentei de todas as formas fazer com que parasse de me mover, mas não adiantava. Vi Ura correr junto com guerreiros Vulpe para a toca do líder e fazer uma barreira entre o alvo e eu.

- URARAKA! – O grito saiu antes que pudesse perceber. – PARE COM ISSO! – Gritei para aquela cópia maldita. – Não precisa disso, já é poderoso o suficiente. – Mas aquele sorriso não sumiu, apenas aumentou.

Voltei a olhar o que estava acontecendo, meus olhos analisavam as possíveis fraquezas naquela barreira e meu estômago contraiu quando a imagem do telão apenas mostrava o rosto de Ura. Meu corpo em forma de lobo se preparou para avançar e tudo ficou em câmera lenta, era como se aquele demônio quisesse que eu sofresse lentamente com as imagens, mas reuni cada molécula de força em um dos braços e consegui arrebentar a corrente. Atingi o rosto daquela coisa no mesmo instante em que minhas garras rasgavam a pele do braço da minha amiga.

A surpresa foi grande o suficiente para que ele perdesse um pouco a concentração e aproveitei para retomar o controle. Eu não estava totalmente "acordado", mas consegui falar.

- Não sou eu, fujam! – Grunhi de dor quando aquilo tentou me puxar de volta. – Proteja... todos... – Caí de joelhos naquela sala branca novamente, estava exausto.

- Vai pagar caro por isso! – Levantei o olhar e vi os cortes na lateral do rosto daquilo, não havia sangue, não havia nada... apenas escuridão. – Foi um erro subestimar você, aproveite a vista.

E então ele sumiu, me deixando sozinho com aquelas imagens terríveis. Senti as lágrimas caírem ao ver o que tinha feito com Uraraka, seu braço estava irreconhecível, os corpos caídos das vítimas no chão me encheram de desespero e arrependimento. O que eu tinha feito? Aquele sentimento ruim dentro de mim sempre esteve presente, como uma doença, era apenas uma sensação ruim que sentia ao me transformar. Nunca tinha pensado que aquilo seria tão destrutivo, tão vil e impuro.

- Me perdoem... – Falei em meio as lágrimas para o telão a minha frente. – Por favor...

Então as imagens foram escurecendo até não sobrar nada além de uma tela preta, minha cópia reapareceu desacordada e jogada no chão a alguns passos de distância. Era minha chance, eu precisava voltar, precisava concertar aquilo.


CONSEGUI!!! Que sofrimento, minha nossa... O computador brincando com minha cara e as coisas da faculdade acumulando, quase entrei em desespero kkkkk Mas aqui estamos, capítulo fresquinho para vocês e gente.... hihihi, acontecerão coisas. Um beijo para vocês e até semana que vem 🐺😘

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