Senti feixes de luz dançarem em meu rosto, tentei sentir o ambiente ao meu redor sem abrir os olhos, estava deitado sobre algo úmido e gelado, o vento soprava calmamente meus cabelos; estava de volta a Tabără, reconheci o cheiro de umidade e madeira, abri os olhos lentamente e fitei as copas peladas das árvores, os galhos retorcidos e pontiagudos, então vi um corvo em um galho alto, ele grasnou e levantou vôo, fazendo com que pedaços de neve caíssem do local em que estava. Sentei devagar achando o acontecimento familiar, quase um déjà vú, olhei ao redor e tudo aparentava estar como deveria, a neve branca formando um tapete interminável, as árvores tortas da floresta, o sol brilhava intensamente sobre minha cabeça, mas algo estava estranho, tinha alguma coisa de ruim na atmosfera.
Levantei de onde estava e sacudi minhas vestes para me livrar da neve acumulada, observei com atenção mais uma vez, usei a audição, mas estava tudo muito quieto, quieto até de mais. Andei pela clareira afim de achar algo, mas não sabia o quê, meus instintos procuravam alguma coisa, apelei para o olfato e o que senti fez meu corpo gelar por completo, era sangue, sangue de lobo. Corri desesperado em direção do odor amargo de ferro e chumbo, a medida em que saía da clareira e adentrava a floresta o cheiro ficava mais forte, me deixando enjoado. Parei quando identifiquei melhor o cheiro do sangue, era ferro, chumbo e prata, parei estático ao perceber a prata, perdi o ar e minhas pernas fraquejaram. Apoiei-me em um tronco velho para não cair, segui com os olhos marejados e a boca serrada.
Deparei-me com uma poça densa carmesim seguida por outras pequenas, formando um rastro, as lágrimas quentes já caíam pelo meu rosto molhando a gola do meu casaco. Segui a trilha com passos hesitantes, ao final a cena fora pior do que eu imaginava, ele estava completamente desfigurado, seu rosto não existia mais, tinha uma ferida na base do estômago, um ferimento feito por balas, caçadores. Caçadores haviam matado o alfa, eles haviam matado meu pai.
Acordei assustado e respirando com dificuldade, estava suado e pegajoso, tinha sido um sonho, ainda estava no meu quarto, no apartamento. Respirei fundo várias vezes e recitei o mantra, estava alterado, sentia o calor da transformação preenchendo o quarto, mas o lobo não veio. As lágrimas se fizeram presentes, me permiti chorar tudo o que estava guardando, toda a dor, toda a preocupação, ainda era noite, então acabei pegando no sono em meio ao choro. Acabei não sonhando mais nada, o despertador tocava incansavelmente anunciando a pior parte do dia: levantar. Desliguei o despertador e fiquei na cama encarando o teto por um tempo, lembrei de tudo que revivera naquela noite, uma lágrima audaciosa escapou, mas limpei depressa e engoli o choro, levantei da cama amaldiçoando tudo e todos, ter que ir a uma escola de mundanos era com toda a certeza um castigo. Seriam tantos cheiros, tantos sons...
- Merda de vida. - Reclamei para ninguém em particular.
Levantei da cama e fui para o banheiro, bati na porta, não por educação, mas por não querer encontrar um Katsuki pelado e puto da vida. Como ninguém respondeu, abri a porta e a tranquei. Olhei-me no espelho antes de tomar o banho e notei que meu cabelo estava mais volumoso, olhei meus braços e vi que haviam mais pelos, o mesmo nas pernas, então era assim que acontecia o amadurecimento, eu iria virar um Chewbacca? Fiz uma nota mental de comprar cera de depilação depois da escola, não iria querer andar por aí feito o pé grande. Tomei um banho gelado e rápido, fui para o quarto me vestir, o uniforme era ridículo, soltei uma risada irônica ao me olhar no espelho, estava parecendo um palhaço. O uniforme consistia em uma camisa social de manga curta branca, um casaco marrom, uma gravata vermelha e uma calça da mesma cor do casaco. Pelo menos o sapato era por escolha minha, coloquei o único que tinha: um tênis cano médio vermelho. Peguei minha única mochila surrada e velha, Katsuki tinha deixado meus materiais em cima da mesa, peguei e coloquei tudo dentro da bolsa de qualquer jeito, ele estava na cozinha comendo alguma coisa e mexendo no celular.
- Bom dia. - Falei forçando alegria.
- Aquela mulher responsável pelos documentos vem aqui hoje pegar seu contrato, ela me ligou várias vezes ontem porque você estava por aí e não atendia a porra do telefone. - Ele bebeu o resto do líquido amarelo de seu copo e colocou na pia, então virou-se para mim. - Na escola, você não conhece.
Ele saiu do apartamento batendo a porta com força, me senti mal por não ter um conhecido naquele lugar novo, mas me senti bem por não ter que fingir tanto ser outra pessoa, peguei uma maçã na fruteira e saí de casa. Chamei o elevador enquanto trancava a porta, coloquei no celular o melhor caminho para esse colégio, era longe para ir andando, então perguntei ao porteiro do prédio como chegar lá. Ele me falou que pegando o metrô era mais rápido, andar naquela geringonça de metal não era o que eu esperava para hoje. Cheguei à estação e vi Bakugo ao longe, então ele também pegava o metrô, desviei o olhar quando ele me encarou, se era para fingir não conhecer, então eu iria fingir. Entrei no vagão assim que ele parou, sentei perto da porta e um cara estranho sentou ao meu lado, a viagem começou e continuei encarando a janela do outro lado do vagão.
- O que uma coisinha bonita como você está fazendo aqui sozinho? - O cara falou exalando um forte odor de álcool, tapei o nariz a boca instantaneamente. - Que foi? A florzinha não gosta do cheiro de homem?
Ignorei o bêbado ao meu lado, não iria sair dali, ele que se mudasse, mas parece que meu silêncio deixou o cara com raiva, ele colocou a mão sobre minha coxa e apertou com força, olhei para ele de relance e vi seu olhar pervertido cheio de desejo. Me enchi de ódio na hora, eu não iria vir pra essa cidade de merda, ter que dividir apartamento com um explosivo inconsequente e ainda ter que ser assediado. Esse amadurecimento ainda iria me fazer matar alguém, peguei sua mão com força demais e senti uns ossos se quebrando ao meu toque, o mais velho guinchou de dor, mas não soltei sua mão, apenas olhei em sua direção e fiz meu olhos brilharem. O pavor em seu rosto me acalmou, ele saiu cambaleando e foi para outro vagão, acabei ficando sozinho, respirei fundo e encostei a cabeça na janela, pouco tempo depois cheguei na estação perto da escola. Não vi mais Katsuki, depois do que aconteceu naquele vagão, era melhor não encontar ninguém mesmo, meu sangue ainda fervilhava.
A escola era grande e bonita, com as iniciais gravadas bem na entrada de modo chamativo e intimidador, "U.A". Comecei a caminhar até a entrada quando esbarrei em alguém, ou melhor, alguém esbarrou em mim, dessa vez não caí, mas consegui segurar a menina antes que ela fosse de encontro ao chão. Ela era pequena, de cabelos rosa e grandes olhos castanhos... Ou dourados, era muito bonita, pedia desculpas sem parar enquanto eu me mantinha em silêncio esperando ela se acalmar.
- Você está bem? - Perguntei observando ela passar as mãos pelo uniforme, como se tivesse amassado ou quebrado algo.
- S-Sim, me desculpe, eu não queria esbarrar em você... Desculpe. - A encarei curioso, ela era fofa e seus olhos eram realmente muito bonitos, pareciam amarelos.
- Seus olhos são bonitos. - Observei ela corar e baixar a cabeça.
- Obrigada. Você é novo aqui?
- Sou... Desculpa, como é seu nome?
- Mina, Mina Ashido. - Ela disse sorrindo de uma forma calorosa e fofa. Pelo menos agora o dia não estava tão ruim assim.
Voltei com força totaaaaaal, meu recesso finalmente começou, tô tão empolgada pra voltar a escrever essa história. Espero que gostem do capítulo novo ❤️🐺