Dabi chegou à nossa vila quando era criança, ele veio de uma tribo distante, ninguém sabe como conseguiu sobreviver à floresta. O surgimento de outro lobo, com o corpo coberto por cicatrizes, certamente fora um estardalhaço. Membros mais velhos da tribo associavam isso com algum castigo dos deuses, mas meu pai viu o estado deplorável dele e o acolheu como um dos nossos. Dabi ficou inconcsiente por três dias, eu o visitava a cada pôr-do-sol, tive tempo para estudar toda aquela pele marcada. Cicatrizes medonhas envolviam suas pernas, braços, pescoço, orelhas, parte do maxilar e nas olheiras; eu me perguntava todas as vezes como alguém tão pequeno conseguiu tudo aquilo. No terceiro dia o sol se pôs mais cedo, como de costume fui visitá-lo, levei um susto ao encontrá-lo acordado; os olhos turquesas encaravam o teto de um jeito hipnótico.
- Olá? - Tentei chamar sua atenção. - Meu nome é Deku, qual o seu? - O olhar dele continuava grudado no teto. - Você lembra de como chegou até aqui?
- Não consigo ver o céu. - A voz dele saiu calma e limpa.
- Você quer sair? - Dessa vez ele olhou para mim, aqueles olhos de uma cor tão fria transmitiam tanto calor. Me senti desconfortável com seu olhar sob mim, senti o rosto esquentar e virei de costas para esconder.
Saí do cômodo sem esperar uma resposta, ouvi seus passos atrás de mim, senti o peso do seu olhar na minha nuca, meu desconforto aumentou junto com a vermelhidão em minhas bochechas. Saímos da casa e ouvi um suspiro de alívio, olhei por cima do ombro e ele olhava para o céu com ternura, lembro de comprar o olhar dele com o de um filhote quando vê sua mãe. Aquelas orbes turquesa encontraram meus olhos novamente, fiquei preso naquele olhar, um calafrio percorrer meu corpo.
- Meu nome é Dabi. - O sorriso dele poderia transformar qualquer noite em dia, escuridão em luz, corei novamente e desviei o olhar.
A partir daquele dia Dabi e eu ficamos muito próximos, meu pai o tratava como filho, fomos criados como irmãos, mas eu não me sentia apenas um irmão. Aprendemos a lutar juntos, a caçar, exploramos cada canto da floresta... Até onde era permitido ir. Conversávamos sobre tudo, mas quando o assunto era amor eu me esquivava. Eu amava Dabi, mas não entendia se aquele amor era apenas fraterno ou não. Quanto alcançamos a idade para participar dos grupos de caça, Dabi logo conseguiu destaque nas caçadas, novas amizades surgiram para ele, enquanto eu comecei meu treinamento de alfa. Passávamos vários dias sem nos encontrar, mesmo morando na mesma casa, a falta dele fazia meu peito doer. A dor se transformava em lágrimas que eu insistia em travar no fundo da garganta, às vezes o bolo ficava tão denso que engolir era um sacrifício. Chorar não era o que alfas faziam, então passei a descontar minha mágoa no treinamento.
Acordava todos os dias ates do sol nascer para poder treinar em paz, sem tormentos. Segui a trilhar de sempre, eu costumava praticar as técnicas de luta, o controle do lobo, o controle dos sentidos; usava a pequena clareira que Dabi achou em umas das explorações que fazíamos quando crianças. Mas aquela alvorada estava diferente, tinha algo estranho no ar, meus instintos estavam a flor da pele. Mas fora apenas um alarme falso, era apenas uma pessoa no meu lugar, aquilo me incomodou, ver outra pessoa no lugar que ele tinha achado para nós era desagradável; mas eu tinha quer ser empático como um futuro alfa-líder.
- Posso ajudar? - Perguntei baixo para não assustá-la.
- Na verdade, eu vou ajudá-lo. - Ergui as sobrancelhas em surpresa.
- E eu poderia saber como?
- Eu assisti você ontem e... como posso dizer? - Ela colocou o dedo indicador nos lábios e inclinou a cabeça, como se estivesse pensando em algo enquanto me analisava com o olhar. - Você é péssimo. - Deixei escapar ar dos pulmões em tom de riso.