O caminho até o apartamento foi silencioso, um tanto claustrofóbico. Katsuki se manteve a pelo menos cinco passos de distância de mim, eu entendia a repulsa que ele deveria estar sentindo depois que os ânimos se acalmaram. O cheiro de medo não estava mais presente, mas pude notar a tensão em seus ombros e a preocupação estampada no rosto. Não sei por quê ainda o estava seguindo até em casa, não podia continuar com isso, principalmente agora que ele sabia a verdade. Eu temia pela segurança dele, saber do meu passado sempre trazia consequências horríveis. Tentei imaginar várias maneiras de contar a verdade, como explicar que sou uma besta folclórica? Que quando minha pulsação se descontrola eu viro um animal existente apenas em mitos e lendas; que meu verdadeiro nome não é Izuku Midorya; que não tenho 16 anos; que a profecia ficaria completa se ele continuasse comigo? Perdi a linha de raciocínio quando percebi que havíamos chegado ao prédio, a ideia de ficar tão perto de Katsuki me deixava agitado. Há dias que não convivemos no mesmo ambiente, estar ali no elevador esperando chegar ao andar certo fazia meu coração acelerar e um calafrio se formar abaixo do estômago.
Me ver ali parado na soleira da porta o observando andar pelo apartamento parecia um delírio e não um acontecimento real, por várias noites sonhei que tudo estava bem entre a gente; que eu acordaria e sentiria o cheiro do café da manhã já posto à mesa e ele gritaria comigo por estar atrasado para a aula. Esperei Katsuki se acomodar no sofá, me preparei para a enxurrada de questionamentos, mas ele apenas pegou o controle da televisão e colocou num canal de esportes. Estranhei a reação tranquila dele, pensei que seria mais caótico, imaginava um loiro fumegante de raiva ou atordoado de medo, mas apenas fui recebido por uma indiferença aterradora. Forcei meu corpo a se mexer, me senti um intruso por estar ali junto a ele, fui até o balcão da cozinha e apoiei as duas mãos sob o tampo gélido de mármore. Encarei meus dedo e respirei fundo umas duas vezes antes de levantar o olhar na direção do sofá, abri a boca e a fechei, não sabia como começar a discutir os acontecimentos recentes.
- Dá pra ouvir a força que você tá fazendo pra pensar. - Ele falou sem tirar os olhos da tela plana.
- Desculpe... - Minha voz saiu mais como um sussurro forçado. - Katsuki, a gente precisa conversar.
Ele respirou fundo e apertou o botão de desligar no controle, esperei que Bakugo começasse a jorrar toda sua indignação em mim. Sobre ter transado com um monstro, sobre morar sob o mesmo teto que uma ameaça ambulante. Ele apenas balançou a cabeça acenando positivamente.
- Olha, me desculpa... - Comecei falando, mas ele levantou a mão indicando para que eu me calasse.
- Me poupe das suas desculpas. Eu sabia o que você era desde o dia que me atacou na cozinha. - Senti uma onda gelada de calafrios percorrer meu corpo. - Mesmo assim eu convivi diariamente com você nessa casa, nunca questionei nada, deduzi que não era da minha conta. - Ele lambeu os lábios e encarou as mãos nos joelhos. - Eu beijei você, dormi com você... Sempre sabendo a verdade, esperando que você mesmo me falasse. Nunca fugi. - Ele se virou para mim, o olhar penetrante como uma lâmina me contanto aos poucos. - Mas assim que você conseguiu o que queria, me descartou como lixo. Fingiu que eu não existia, na rua ou não escola desviava do caminho quando me via.
- Katsuki... Eu... - Ele levantou lentamente do sofá, ainda me perfurando com o olhar.
- Eu não sei por que te ajudei mais cedo, uma recaída talvez. Mas não pense que tudo vai mudar agora que eu tomei a iniciativa de dar alguma satisfação. As pessoas não são objetos pra você usar e jogar fora quando quebrar.
- Eu não te usei. - Falei rápido atropelando as palavras. - Você não faz ideia do que eu passei pra jogar tudo no ralo por causa de um cara.
- Tem razão, não sei. - O tom frio e calmo da sua voz foi como um soco no estômago. - Eu não sei nada sobre você.