Senti uma coisa fofa fazer cócegas na ponta do meu nariz, abri os olhos lentamente e vi vários pontinhos brancos pairando no ar, de imediato pensei que estava em casa, na Transilvânia, deitado na clareira da floresta com os flocos de neve dançando no ar frio do inverno, mas os flocos foram entrando em foco e percebi que eram penas. Eu só tinha a visão do teto, os raios de sol já batiam na minha janela e iluminavam o quarto, levantei o tronco e fiquei sentado no chão olhando ao redor, o travesseiro estava destruído, marcas de garras enfeitavam as portas do meu armário, pelo menos eu tinha conseguido me acorrentar ao pé da cama, o qual estava destruído, não sei como me aguentou a noite toda.
Tirei as correntes da minha mão esquerda e meu pé direito, era difícil sem Ura pra me ajudar, mas foi melhor ela ter ficado com a alcatéia, eu não era exatamente um bom alfa e depois de saber da profecia, preferi me afastar de todos. Eu tinha ganhado seguidores não muito fãs da minha pessoa, como caçadores, tudo por causa dessa maldita profecia, respirei fundo e levantei do chão. O travesseiro já era, joguei ele embaixo da cama, não tinha o que fazer com o armário, compraria outro quando eu precisasse ir embora... E outra cama.
Avaliei o resto do quarto, o estrago tinha sido pouco, ainda bem, meu estômago apertou de fome e fui para a cozinha fazer alguma coisa decente para comer que não fossem penas de travesseiro. Assim que abri a porta escutei o barulho do chuveiro sendo ligado, merda, esqueci completamente daquele menino de ontem, quando o barulho da água cessou corri para fechar a porta do meu quarto. Merda, merda, merda. A porta do banheiro abriu no mesmo momento em que eu fechava a minha, o loiro de olhos vermelhos me encarou por um tempo, estalou a língua e foi pra cozinha. Então isso significava que ele não tinha ouvido nada ontem ou visto, graças a Fenrir.
- Bom dia - Máscara Izuku Midorya ativada. - Desculpa perguntar, mas esse apartamento é seu?
- Nosso. - Ele respondeu sem olhar para mim. - Você não leu o contrato? - O CONTRATO! Meu santo Fenrir, tomara que eu não tenha destruído.
- Não... - Ele estalou a língua de novo, pegou dois ovos e quebrou na frigideira, o cheiro de ovo frito fez meu estômago roncar alto.
Fiz menção de ir até a geladeira ver se tinha algo bom, ele estava em frente ao fogão que ficava do lado da geladeira, mais uma vez senti o cheiro doce dele. Me afastei rapidamente com a mão sobre o nariz e a boca, pensei que iria perder o controle ali na sua presença, mas nada aconteceu, achei entranho, ontem só de sentir seu aroma adocicado o lobo veio.
- Eu tô fedendo? - Ele perguntou me olhando com uma expressão curiosa. - Já é a segunda vez que você se distancia assim tapando o nariz.
- Não é isso... - Merda, o que eu faço? - Seu cheiro... - Agora já foi, continua. - É doce.
Senti o olhar incrédulo dele no meu rosto e uma risada nervosa escapar de sua garganta, ele apagou o fogo, pegou dois pratos e serviu um pouco do ovo pra mim. O som de algum eletrodoméstico apitando doeu em meus ouvidos, um traço rápido de dor passou por meu rosto, espero que ele não tenha percebido, observei um pedaço de pão meio torrado ser colocado no meu prato, aquilo cheirava bem. Tinha uma jarra de suco na mesa de jantar, peguei um copo e caminhei até lá hesitante, não sabia se poderia pegar ou não do suco. Sentei e estiquei o braço em direção a jarra esperando ele reclamar ou algo parecido, como não disse nada, me servi de um pouco de suco de laranja... duas laranjas, três partes de água, duas colheres de açúcar... Merda de olfato apurado.
- Como eu devo te chamar? - Ele perguntou entre uma mordida e outra na torrada.
- Izuku. - Ele me olhava esperando um complemento, esqueci que aqui o sobrenome importa. - Izuku Midorya, e você?
- Katsuki Bakugo. - Agora ele me olhava com atenção, tinha parado de comer e se inclinado um pouco sobre a mesa. - De onde você é? - Quase engasguei com o suco.
- Romênia. - Dei um sorriso tímido.
- Isso é nos Bálcãs? - Esperto.
- Sim. - Para de falar, por favor.
- Que região da Romênia? - Raiva, a raiva já infiltrava meu sangue. Sorri com educação e respondi do meu jeito, foda-se Izuku.
- Não interessa, obrigado pelo café. - Levantei arrastando a cadeira e fui pro quarto, passei o resto do dia lá.
Ao anoitecer, minha barriga doía de fome, me concentrei na audição, escutei os batimentos ritimados e calmos de Bakugo, ele estava dormindo, ótimo. Abri a porta devagar e fui até a geladeira, tinha um resto de macarrão com legumes e carne, os legumes me fizeram deixar pra lá, farejei o interior e senti um leve aroma de carne vindo do congelador, abri devagar e um saquinho sujo de sangue me chamou atenção. Retirei cuidadosamente o saquinho, sentei no chão e abri, peguei a carne quase congelada com as mãos e abocanhei com ferocidade, o gosto forte do sangue invadiu meu paladar, suspirei pesadamente ao saborear aquele pedaço delicioso de bife.
Podia sentir o gosto metálico no fundo na garganta, o coração acelerando, os olhos esquentando, as veias endurecendo, mas aquele bife retia toda minha atenção, senti as presas alongando, os pelos no rosto, as orelhas ficando pontiagudas, as garras cravaram a carne com força, eu mordia com mais vontade, meus movimentos estavam mais animalescos. Um grunhido escapou de mim, ouvi passos, o som da tranca da porta, a maçaneta girando.
- Midorya, que porra você tá fazendo aí? - Bakugo estava com a voz carregada de sono e raiva. Permaneci abaixado, encoberto nas sombras. O desejo de avançar sobre ele era grande, seu cheiro doce me atraía, avancei lentamente em posição de ataque, minha respiração pesada quase como um rosnado foi a última coisa de que me lembro antes de apagar.
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