21 - Parte II

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Katsuki andava admirando as árvores e os animais, mantive os sentidos aguçados o tempo todo; estávamos quase no coração da floresta, onde se localizava a vila. Essas árvores guardavam as almas dos corajosos ou burro o suficiente de entrarem, humanos eram facilmente manipulados e enganados pela floresta. Os que conseguiram sair com um pouco de sanidade restante afirmam terem visto os troncos ganhando formatos humanóides; outros alegam terem presenciado fantasmas, monstros e até mesmo o diabo. Não posso culpar a floresta, ela está aqui a mais tempo que os primeiros mamíferos; há quem diga que o coração de Hela, deusa dos mortos, foi enterrado neste solo, a floresta cresceu ao redor, mas o lugar em que o coração está não possui vegetação, nada cresce naquele lugar. Muitos evitam a clareira, pois acreditam ser amaldiçoado, até as criaturas da floresta evitam o coração, mas é lá que meu clã vive.

- Aqui é bonito. - Katsuki falou olhando para a copa das árvores.

- É, é bonito. - Não me deixei distrair, ouvi um galho sendo esmagado em algum lugar próximo a nós. - Fica atrás de mim e faça silêncio. - Ordenei e ele logo deu alguns passos para trás, abri os braços para protege-lo de qualquer ataque.

Deixei as garras saírem, percorri os troncos negros com os olhos, tentei farejar qualquer cheiro além do caramelo de Katsuki. Ouvi um bater de asas, grave demais para ser um pássaro comum, tentei o faro mais uma vez e nada. Outro bater de asas denunciou a direção do som, estava vindo de cima, quando fiz menção de erguer o olhar, alguma coisa pousou a minha frente. O pouso levantou algumas folhas secas e um pouco de terra, quando a fumaça se dispersou percebi que se tratava de Hawks. Ele nunca tinha feito nada contra mim ou meu povo, era o último de sua espécie, os Alados foram dizimados pelos caçadores, Hawks conseguiu fugir do massacre quando criança, suas asas ainda eram pequenas, escondê-las foi fácil. Agora vivia na floresta, divertindo-se junto com as árvores em atormentar humanos, ou apenas proteger da entrada de seres desconhecidos, como Katsuki.

- O lobinho resolveu voltar para brincar? - Ele me olhou com aqueles olhos amarelos que me causavam arrepios. - E quem seria esse belo espécime? - Usou uma de suas asas vermelhas para apontar o loiro atrás de mim.

- Ele tá comigo, Hawks. - Falei ainda mantendo uma posição defensiva, vacilar na presença dele era um erro terrível.

- Ele é de fora. - Retirou uma pena longa da sua asa esquerda, aquelas coisas eram afiadas como facas. - Está invadindo.

- Você não vai querer comprar essa briga. - Falei rosnando alto. - Se eu fosse você, não lutaria comigo. - Minha fala saiu com dificuldade por causa das presas que já estavam crescendo.

Hawks olhou em meus olhos, em um movimento rápido a ponta de umas das asas parou a milímetros da minha traqueia. Sustentei seu olhar, os olhos amarelos e ferozes passearam entre Katsuki e eu. Com um sorriso sádico, levantou voo e sumiu entre os troncos. Soltei a respiração devagar, recuei as garras e as presas, tomei a mão de Katsuki outra vez e retomei o caminho. Alguns minutos depois chegamos no coração, me mantive entre a vegetação ao redor da clareira, o pânico tomou conta do meu corpo, ia perder o controle, estava sentindo.

- Ei, ei, ei... - Katsuki me abraçou e passou os braços aos redor do meu pescoço, respirei fundo aquele cheiro doce e consegui acalmar o lobo.

Soltei-me do seu abraço, respirei fundo, coloquei de volta o capuz e fiz sinal para ele fazer o mesmo. Com três passos, já estávamos no campo aberto, andei hesitante até o centro da vila, parando em frente à casa do chefe. Senti alguns olhares queimarem em minhas costas, mantive a cabeça abaixada o tempo todo, olhar meu povo ainda era difícil. As portas de madeira escura se abriram com um barulho alto, senti o lobo revirando-se dentro de mim, minha ansiedade e nervosismo estavam descontrolando-o. Ouvi passos aproximando-se, senti um tremor passar pelas mãos.

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