Capítulo 10

22 4 0
                                    

Passei o resto do dia pensando no bilhete, não consegui me concentrar em nada, fiquei aéreo nas refeições e percebi que ela não me encarava mais, não falava nada, só quando era solicitada por Roberto, me deixando ainda mais aflito, seu sorriso que já era raro, tinha se apagado completamente, era perceptível que ela não estava bem.

Ela queria saber o que me faz chorar. Será que me ouviu chorar alguma vez? Ou apenas curiosidade? Me pergunto. Tomo meu banho com a pergunta ecoando na minha cabeça. 'O que te faz chorar?', já foram tantos motivos que daria para fazer uma lista de mercado e nesse momento apuro o quanto a minha pergunta era estupida, eu simplesmente não sabia o que responder. Quando se tem tanto motivo para chorar você acaba esquecendo o porquê de estar chorando, as lagrimas só descem muitas vezes sem que você perceba a razão, o peito está cheio e nada te faz parar.

Já estava quase anoitecendo e eu tinha plantão, pensei em não responder o bilhete, mas também não queria que ela se sentisse mal por não ter com quem falar, ela estava sempre tão sozinha e me lembro do quanto eu sempre me senti assim, como a solidão era angustiante. Decidi escrever qualquer coisa, peguei um papel e escrevi:

"Dor, medo, tristeza...

Tudo e as vezes nada."

John.

Arrumei minhas coisas para trabalhar e passei pela porta do seu quarto, olhei a minha resposta e respirei fundo e deixei o bilhete por baixo da porta, sem esperar nada e sai de perto. Tive medo de reviver tudo, esses pensamentos não terminariam bem, eu não queria correr o risco de ter uma crise no trabalho, peguei meu frasco e tomei um comprimido antes dos sintomas começarem mesmo sabendo que não era o certo, mas tive receio de não me controlar de novo. Peguei o carro e fui para o hospital, pelo menos sabia que isso me deixava feliz. Encontrei Leone ele estava saindo, parou para falar comigo:

- John, quero falar com você sobre a vaga. Vamos tomar um café, ainda temos tempo até começar seu plantão.

Concordei e fomos até a sala de reunião, ele me serviu um café.

- Não me mate de ansiedade. – Digo tomando um gole do café.

- Conversei com o departamento e não tem nenhuma vaga.

Fico nitidamente triste, ele se senta ao meu lado.

- Mas eu insisti, falei que a vaga era para você. Parece que seu trabalho ininterrupto lhe deixou famoso. – Ele sorri para mim e eu arregalo os olhos.

- Consegui uma vaga?

- Conseguiu, seu trabalho árduo fez repensarem na vaga. Você agora é médico clínico do hospital. Mais tarde você vai na recepção pegar seus horários.

- Que boa notícia, obrigado tio. – Minha felicidade era tamanha que eu o abraço, era mais um passo para minha liberdade.

- Agora vá para o seu plantão, depois nos vemos. Qualquer coisa me chame, não pense duas vezes.

Sai da sala direto para uma cirurgia que estava agendada. Acompanhei uma cirurgia de troca de válvula, o cirurgião era de grande prestígio, fez diversas perguntas e acertei todas. Se tinha uma coisa que eu era bom, era em responder perguntas, meu cérebro foi treinado, mesmo que dolorosamente, para pensar rápido e essa noite ele estava funcionando como nunca. Consegui acompanhei outras duas cirurgias.

Era fim do plantão o hospital estava muito mais calmo. Fui até a sala de descanso, deitei um pouco, para descansar o corpo antes de ir embora, o ambiente era silencioso e me ajudava a ter um sono mais tranquilo, ouço quando a porta abre, mas fico ali com os meus pensamentos, sinto a pessoa sentar próximo das minhas pernas, até que abro os olhos.

As marcas do medo.Onde histórias criam vida. Descubra agora