Ao amanhecer, me senti mais leve com as minhas escolhas estava pronto para tentar ser uma nova pessoa, tomamos café todos juntos, tive poucos momentos felizes na minha vida, mas eu queria multiplicar esses momentos. Pedi para Leone ir comigo até o cemitério, queria levar flores para Liz.
Cheguei ao cemitério e encontrei sua lápide, fiquei um pouco ali, sentei no gramado e entreguei as flores, não contive as lágrimas, me desculpei novamente por não ter chegado a tempo e não ter conseguido ajuda-la. Prometi que iria vê-la sempre que possível e que não a esqueceria. Fiquei ali por quase uma hora, Leone me esperou no carro, quando voltei ele me abraçou.
Foi difícil trabalhar, a minha cabeça estava borbulhando. Quando acabou o expediente corri para casa, cheguei Sarah estava lendo uma revista na sala, beijei sua barriga e a abracei, ela estranhou o meu humor e sorriu para mim.
- John, chegou uma correspondência para você. Está aí em cima da mesa.
Eu imaginei que fosse alguma conta para pagar, mesmo estranhando porque estava cedo para a fatura do cartão chegar. Quando peguei o envelope percebi que não era nenhuma cobrança, era escrita à mão, eu não fazia a menor ideia do que se tratava, sentei no sofá e rasguei o envelope, que não tinha nome no remetente. Tirei o conteúdo, tinha algumas folhas escrita, quando abri reconheci a letra.
John,
Se você estiver lendo essa carta significa que consegui causar a minha própria morte, imagino que esteja tomado pela culpa, queria que você soubesse com as minhas letras tudo que me fez chegar até aqui. Mas primeiro quero que se livre desse sentimento de culpa, a morte que planejei para mim foi apenas uma forma de adiantar algo inexorável. Minha morte já estava traçada desde o primeiro dia que entrei naquela casa com seu pai.
Já tinha algum tempo que ele me drogava, me fazendo muito mal, muitas noites o meu choro era dor, as dores causadas pelas drogas que ele incluía no meu cardápio. O medo também era predominante, tinha medo de não conseguir realizar o objetivo que me fez entrar nesse destino sem volta. Você agora deve estar se perguntando o motivo de tudo isso. Eu casei com seu pai com o único objetivo de incriminá-lo.
Talvez você se lembre aquele dia na biblioteca, eu me aproximei de você, imaginei que poderia tirar alguma informação, mas logo percebi que você era apenas mais uma vítima daquele monstro, preferi me afastar e não te envolver no que eu sabia que seria trágico. Eu lhe disse naquele dia que o meu pai era sócio do seu pai. O meu pai tinha a maior parte das ações da empresa, somando um pouco mais de 40%, seu pai tinha 30% e o restante estava dividido com os outros sócios, eu conhecia seu pai por ele sempre ser próximo do meu, sempre manipulando as decisões dele na empresa, tentando impor suas ideias.
Meu pai estava começando a perceber essa jogada e começou a me treinar para ficar em seu lugar quando chegasse a hora, há algum tempo seu pai insistia para comprar as ações dos outros sócios, para então ficar com a parte majoritária e tomar decisões que feriam completamente o objetivo da empresa. Meu pai soube das suas intenções, ele estava manipulando os outros sócios a se voltarem contra o meu pai. Ele queria fazer diversas mudanças, das quais meu pai não concordava, presenciei algumas discussões. Meu pai morreu há pouco mais de um ano atrás, em um acidente de carro sem explicação, quem causou o acidente fugiu sem deixar nenhum rastro.
Eu tinha certeza que o seu pai era o assassino, assumi o lugar do meu pai na empresa, ele deixou claro que não me queria ali, pelas minhas costas, claro. Tentou virar o jogo com os outros sócios me tirando da presidência que era do meu pai. Cortando parte dos nosso recurso com a ajuda dos outros sócios. Minha família estava começando a passar por um situação financeira complicada, a insegurança da empresa estava adoecendo a minha mãe e deixando o futuro dos meus irmãos em risco. A única forma de conseguir provar a participação dele no crime era me aproximando, fizemos um acordo, eu casaria com ele e assim ele teria liberdade de movimentar a empresa do jeito que ele quisesse, pois somaríamos mais de 70% da empresa. Pedi em troca que ele ampliasse os lucros e me ajudasse a ser presidente, mas eu sabia que isso não aconteceria e obvio que ele aceitou rapidamente.
Quando cheguei me deparei com a pior espécie que existe no planeta, ele era muito pior do que eu imaginava. Mas eu tinha um objetivo e precisava me concentrar nisso. Eu tinha que devolver a paz para minha mãe e meus irmãos mais novos. A paz que o seu pai roubou de nós. Nesse tempo eu consegui vasculhar alguns dados dele, com a ajuda de um amigo hacker, passamos meses planejando tudo e ele me ensinou a enviar os arquivos, consegui imagens, números e muitas ligações dele com a morte do meu pai. Ele estava começando a desconfiar, começou a me drogar para que dormisse a maior parte do tempo, eu sei que ele se aproveitava de mim enquanto eu estava drogada, além planejar a minha morte sem deixar vestígio.
Ainda assim consegui as provas que eu queria, antes de ir morar com vocês levei uma quantidade de dinheiro, um celular simples com um número desconhecido dos quais escondi na minha mala com fundo falso, consegui comprar um funcionário que me avisava quando ele saia e quando voltava. Eu sabia que não duraria mais tanto tempo, ele me transferiu de quarto e foi difícil esconder as coisas, ele acabou pegando alguns recados seus no outro quarto, consegui esconder apenas seu número.
Ele estava me deixando sem alimento por um longo período, a fraqueza estava tomando conta de mim. Quando ele viajou decidi que era o momento, juntei todas as provas e enviei para a polícia de outro estado do qual eu já havia tido contato antes, pois sábia que ele tinha muitos amigos que o encobriam em Nova Iorque.
Mandei cartas com as provas para pessoas da minha confiança, jornalistas, autoridades. Provavelmente devem estar chegando nas mãos dessas pessoas enquanto está lendo. Eu não queria que ele ameaçasse a minha família e me fizesse desistir de tudo, eu sabia que essa era uma possibilidade caso eu sobrevivesse. Agora eles ficarão protegidos pela justiça. Peguei todas as medicações e tomei, esperei algum tempo para te mandar a mensagem, eu sabia que você viria tentar me socorrer e me joguei na piscina. Queria sair daquela casa ao menos depois de morta, tinha certeza que ele daria um fim ao meu corpo se simplesmente me encontrasse morta no quarto, compraria laudos, eu queria ser levada para o hospital. Sabia que poderia confiar em você, muito obrigada por me levar. A minha morte era inevitável John.
Eu quero te agradecer por tudo que tentou fazer, eu não queria te ver sofrer, mesmo com tanta coisa você foi capaz de tentar me ajudar, o dia que se arriscou para me alimentar eu fiquei incrédula, nunca imaginei conhecer alguém como você, ainda mais sendo filho de alguém como ele. Seus recados por baixo da porta me faziam ter mais força para continuar, para vencer aquele monstro. Onde eu estiver vou te proteger como você tentou me proteger.
No início tudo que eu queria era me vingar, eu tinha muito ódio, até conhecer você, tão machucado ainda sendo capaz de olhar para o outro. Tudo que eu fiz deixou de ser apenas uma vingança, mas uma forma de te agradecer. Talvez você não acredite em nada além, nem eu sei se acredito, mas te conhecer salvou um pedaço da minha alma. Eu queria colocar esse monstro atrás das grades, não só para vingar a morte do meu pai e garantir a vida e o futuro dos meus irmãos, mas queria, também, que você fosse livre, você merece ter uma vida feliz.
Obrigada John.
Liz.
Eu não conseguia acreditar no que eu lia, reli a carta diversas vezes, as lágrimas tomavam conta de mim, nada nessa carta me deixava surpreso, mas o sofrimento de Liz era muito maior do que imaginava. A coragem que ela teve de se envolver nisso com o objetivo de descobrir sobre a morte do seu pai, mesmo que isso causasse a sua própria morte, era inacreditável.
Quando Leone chegou dei a carta para ele ler, liguei para Soraya, ela me falou que Roberto tinha saído e não tinha voltado, ela pareceu não saber de nada. Ficamos em casa o dia todo esperando notícias, se era verdade logo estaria estampado em todos os noticiários. No horário da noite os sites, canais de notícias começaram a vincular as cartas de Liz, foram em torno de 10 cartas, expondo tudo que ela vivia na casa e o envolvimento de Roberto com a morte do seu pai, enviadas por ela para jornalistas, amigos, advogados famosos, promotores, médicos e grande notoriedade, de diversos estados, inclusive laudos recentes sobre o estado de saúde e exame toxicológico, provando que ela estava sendo drogada constantemente.
Tinha vídeos e fotos dela passando mal após as refeições, ela realmente tinha planejado tudo muito bem. O hospital estava bombardeado de jornalista, a polícia ainda não tinha se pronunciado, pois existia inclusive queixa dela em relação aos policiais do estado, anexada a várias provas de pagamento, transferências bancarias, coisas que eu sabia, mas jamais conseguiria provar, nem na minha imaginação mais louca.
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As marcas do medo.
RomanceJohn é um jovem médico que há anos luta contra as crises de pânico. Sua vida sofre diversas reviravoltas levando-o a ficar cara a cara com os seus traumas, deixando ainda mais intensa as suas crises e seus medos. O dinheiro não era capaz de lhe comp...