DANIEL

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O dia estava nublado no esquecido condado de Massachusetts, o céu acinzentado formação um domo quase depressivo sobre o frenético e agitado comércio municipal. A lama do solo maltratado se sujava as botas de todos que ousassem passar por ali, disputando o espaço com os diversos animais comercializados no local.

Um padre gritava alto, abdicando de toda a sua santidade, com um comerciante. O religioso exigia um preço menor por uma dúzia de galinhas magricelas, as quais cacarejevam completando o pandemônio da feira.

No fundo, a poucos metros de distância da discussão avarenta, uma vaca seguia tranquila e impassível. O animal era a mais recente compra do padre sovina que a todo custo tentava um desconto.

- Você vem comigo - o menino invisível acariciou o focinho úmido da vaca serena.

Ninguém do comércio podia vê-lo, ele passava despercebido por entre os homens e mulheres apressados com seus próprios afazeres. Os cabelos escuros e pele pálida exalava uma mediocridade comum que não valia à pena ser notada, vez ou outra esse fato deixava Daniel chateado. Em algumas situações ele queria ser percebido e visto, como as mulheres de sua família eram.

No entanto, ser oculto trazia pequenas vantagens e uma deles era sair com uma vaca gorda em mãos, deixando o padre raivoso tendo uma ataque de fúria pela compra roubada.

Daniel saiu do comércio a passos leves, cuidando para que o chão molhado, pela chuva da noite anterior, não sujasse tanto suas roupas gastas. Quando ele adentrou na floresta de árvores nuas sentiu a sensação habitual de solidão, como se entrasse numa névoa escura e densa demais para ser penetrada.

Ele já estava acostumado com aquele caminho, fazia-o sempre que precisava recolher - um nome mais bonito para o que Daniel realmente fazia, mantimentos para sua casa. Aquela atividade era sua contribuição mundana para o funcionamento da família.

Subitamente, sentiu a solidão da floresta ser cortada de maneira afiada. Alguém estava ali, ele percebeu imediatamente. E era alguém sem poderes como ele. Bastou alguns segundos para que ele sentisse o peso quente sobre suas costas.

- Peguei você! - Liz, sua irmã mais nova gritou, montando no dorso cansado do rapaz.

- Não deveria andar tão perto da cidade, Liz. Sabe que não é seguro - a menina saltou do corpo do irmão para andar ao lado dele.

- Eu só queria saber se estava bem - inventou uma desculpa de última hora. Na verdade, ela só estava entendiada de ficar isolada na Ordem.

A vaca mugiu ruidosamente, Liz foi até ela e acariciou a cabeça peluda do animal.

- As pessoas não gostam de bruxas, elas não entendem o poder de vocês. Conhece a história da nossa Ordem, de como tivemos que abandonar Salem para sobreviver a perseguição - tudo que ele queria era manter a irmã longe do perigo, mesmo não tendo nenhuma habilidade especial para fazê-lo.

- Eu sei me perdoe. Prometo que não farei mais - apertou a mão do irmão.

Na frente dele, o caminho para Ordem se mostrou. A porta talhada em madeira mágica pairava vigorosamente no meio da floresta morta, no batente superior da entrada um corvo estava empoleirado.

A ave olhou com desprezo para Daniel, os olhos escuros feito tinta nanquim. O guardião feroz da entrada da Ordem de Salem, virou-se para os irmãos com um movimento calculado.

- Senha! - gralhou irritado o corvo.

Ordem de SalemOnde histórias criam vida. Descubra agora