A espada e o lobo

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    Lucas dormiu no sofá, como uma forma de mostrar que eu realmente não iria sozinha.

    — Esse menino não tem casa? — Meu pai comentou, enquanto pegava uma xícara de café.

    — Sabe que eu não sei! — constatei que nunca perguntei sobre a vida pessoal dele.

    — Bom, aparentemente a casa dele é o nosso sofá. Já faz o quê? 3 dias? Ele é um sem teto? — Essa última parte falou sussurrando.

    — Eu espero que não — disse, rindo um pouco da situação. — Geralmente os pais ficam preocupados ou possessos quando um garoto dorme na sala da filha deles...

    — Tecnicamente a sala é minha. Mas porque eu me preocuparia? Você sabe usar proteção, não é? — Ele me olhou por cima dos óculos.

    — Pai! — exclamei envergonhada — Eu não acredito que estamos tendo uma conversa assim às seis da manhã!

    — Em algum momento vai acontecer, porque eu tenho que ser o pai estraga prazeres se eu posso ser só o pai legal? — deu de ombros. — Além do mais, eu te criei para ser melhor que isso. Não me preocupo com essas coisas.

    — Você tem razão... Você é o pai mais tranquilo e legal que já conheci — dei um abraço apertado nele, fazendo-o arfar.

    — Espero que pelo menos meus netos sejam bonitos — Ele cantarolou.

    — Pai! — falei exasperada.

    — Por que vocês são tão barulhentos de manhã?! — Lucas resmungou erguendo a cabeça.

    — Levanta logo, Luk! — falei para ele, colocando uma xícara de café caprichada na mesinha que ficava de frente para o sofá.

    — Acho que vou ter que trocar de sofá — meu pai observou —, o que acha de um sofá cama? Ou devo mudar de apartamento para um com 3 quartos?

    — Voto para o de 3 quartos — Lucas se sentou e provou o café —, quero a suíte!

    — Mas que menino atrevido! — Meu pai fingiu surpresa.

    — Está tudo muito lindo, princesas — chamei a atenção deles —, mas já está na hora de irmos embora.

    — Estraga prazeres — Os dois falaram ao mesmo tempo.



    Lucas realmente tinha tirado carteira de motorista. E pela minha surpresa, seu aniversário tinha sido no dia que descobri a viagem de Rafa. "Então era por isso que ele queria companhia..."

    Fomos até um dos polos comerciais da cidade. O amigo que ele tinha mencionado era, na verdade, primo da família. Ele tinha uma oficina mecânica, e como ia trabalhar o dia todo, Lucas pode pegar a moto emprestada.

    — Não vá virar pai tão cedo! — Seu primo gritou, quando saímos da garagem.

    "Por que todo mundo presumia que estávamos transando? E ainda mais sem proteção?! Credo". Eu não namorava com demônios.



    O caminho foi longo. Muito longo. Parávamos de tempos em tempos para esticar as pernas. O vento frio me fazia arrepender de não ter pensado em uma blusa de frio.

    — Eu disse pra trazer uma blusa — Ele comentou.

    — Você vai repetir isso toda vez que a gente parar?! — falei irritada — Eu não me importo. Só quero chegar logo.

    Ele deu de ombros e voltamos à estrada.

    Depois de longas quatro horas e meia finalmente tínhamos chegado ao nosso destino: uma casinha de portão branco e muro de hera.

    Por um momento meu dedo ficou parado a poucos centímetros da campainha, trêmulo. Respirei fundo e segui em frente.

    A senhora que apareceu na entrada estava de bengala, e andava bem devagar.

    — Olá? — Ela falou, olhando confusa para nós dois.

    Todo meu corpo tremia. Lucas pegou minha mão, como uma atitude silenciosa de dizer que estava ali.

    — Me desculpe, senhora — falei com a voz estranha —, acho que errei a casa. Obrigada!

    Assim que falei, puxei Lucas comigo, e dobramos a esquina. Assim que cheguei em uma praça no quarteirão seguinte, vomitei o café da manhã.

    Meu coração estava acelerado, minhas mãos frias suavam, meu corpo todo gritava para sair correndo e minha cabeça girava.

    Até aquele momento eu não sabia exatamente o que esperar. Eu sabia que aquela mulher estava envolvida no dia que minha mãe morreu. Eu só não sabia como. Mas agora, vendo a tatuagem em seu braço - uma espada atravessando a cabeça de um lobo -, eu estava tendo acesso a uma memória que tinha me esquecido.

    Agora eu queria poder esquecer novamente.

    — Vovó — sussurrei horrorizada, enquanto as lembranças me inundavam.

Rostos BorradosOnde histórias criam vida. Descubra agora