{1 ano e meio depois}
Sabe... se quando eu tinha quinze anos me dissessem que eu passaria por tudo isso, eu falaria que a pessoa estava louca.
Eu tive um amor inocente na infância, que acabou sendo meu ardente amor de adolescência e, depois, meu eterno amor para a vida.
Todos os momentos que vivemos juntos estarão para sempre gravados em minha memória. Cada pedacinho de mim lembrava com carinho e saudade de seus toques.
Mesmo quando nos separamos por anos eu não deixava de pensar que eu deveria estar com Lucas. Cada molécula do meu ser gritava por pelo menos uma gota dele.
Quando finalmente nos encontramos novamente, depois de tantos acontecimentos, ele era meu e eu era dele.
Nós vivemos tantas aventuras juntos, e quem diria... A maior aventura de todas culminaria neste momento.
Os médicos me disseram para não ter muitas esperanças, e a família dele já queria desistir depois de quatro meses sem resultados. Mas eu nunca desisti, apesar de tanto tempo esperando. A família Silva, cansada de tanto drama e vendo que o filho seria inútil para eles, deixou comigo a decisão de desligá-lo para sempre.
Ainda creio que ele vai acordar. Algum dia, ensolarado e limpo, eu estarei ao seu lado na cama de hospital e ele abrirá os olhos. Eu estarei lá... Quanto tempo for preciso.
Sabe... Vivi boa parte da minha vida imaginando que uma tragédia poderia acontecer, e ela realmente aconteceu.
Sinceramente... Naquela noite eu acreditei que eu seria feliz para sempre, como um romance clichê. Mas ninguém poderia me preparar para o romance trágico que fui jogada.
Muito tempo se passou desde aquele dia terrível. Nunca achei que me sentiria tão feliz e tão aterrorizada em um intervalo de tempo tão pequeno. Meu maior sonho e maior pesadelo aconteceram juntos.
Ainda sonho com Lucas chegando até o altar e trocando meu anel de esmeralda por um de ouro. E no mesmo sonho, ele espalha seu sangue pelo meu vestido branco e caímos em um limbo atemporal. Noites a fio acordei sufocada com meus próprios gritos, suando e chorando incontrolavelmente.
Por meses alternei entre a casa de papai e a de Nataly. Nenhum deles queria me deixar sozinha. E, sinceramente, eles estavam certos em serem cautelosos.
Tirei licença do trabalho durante um tempo, vivendo em uma jaula de agonia, esperando que a qualquer momento ele ia acordar e rir da minha situação. "Nana, você parece exausta", ele diria, "Ah, deixa para lá, é só sua cara mesmo". Suas risadas ecoam pela minha mente, e às vezes eu olho para os lados, procurando por ele.
Confesso que tinha dias que eu falava sozinha, achando que Lucas estava no computador atrás de mim, jogando aquele seu RPG favorito. Logo depois, me virava e via o vazio me encarando. Não sei quantas vezes eu chorei, desesperadamente. E até mesmo comecei a rezar, pedindo para que o universo me desse algum motivo para continuar.
Minha vida parecia sem cores, vazia e sem graça. Até mesmo a comida já não tinha o mesmo gosto, às vezes parecia cinzas pesadas em minha língua, passando rasgando pela minha garganta.
Passei muitos dos meus dias ajudando papai e Cléo com o adolescente que eles adotaram, e ainda cuidando dos gêmeos de Nataly e Caio quando eles precisavam. Mas nada daquilo me deixava realmente feliz. Eram apenas sorrisos vazios.
Eu me vi imersa em uma depressão que não parecia ter fim, com dias no piloto automático e noites recheadas de pânico.
Chorei sem parar durante meses. Qualquer coisa simples me fazia lembrar de você e como eu não podia tê-lo comigo.
Lembro como Nataly me tirou daquela depressão quando ele se foi, mas agora era diferente, ela parecia entender que as coisas estão piores, porque, mesmo depois de meses, apenas continuava do meu lado, cheia de empatia e paciência.
Eu me lembro do dia que eu o beijei pela primeira vez, naquela espreguiçadeira. E do nosso real primeiro beijo no sofá, com meu rosto todo machucado. Lembro das nossas confissões, tarde da noite, e de como pensávamos que dali para frente tudo ia melhorar porque estávamos juntos.
Éramos ingênuos... Tantas coisas deram errado. Até mesmo matei alguém por acidente! Consuela e Diego ainda me assombram em algumas noites. Aquela mulher podia ter tentado me apavorar e ferir aqueles que eu amo, mas apenas Diego foi realmente efetivo em sua vingança. Eu tirei alguém que ele amava, e ele revidou na mesma moeda.
Eu sei... Sei que ele ainda pode acordar a qualquer momento, mesmo depois de tanto tempo, mas sinto como se estivesse indo embora aos poucos. Vê-lo rodeado daquelas máquinas que vivam por ele...
Eu me agarro às pequenas esperanças diárias, e não sei o que faria se ele fosse embora para sempre. Sinto-me perdida e inconsolável. Isso era mil vezes pior do que quando ele me deixou pela primeira vez. Pelo menos naquela época eu sabia que ele ainda estava por aí, e ainda podia imaginar que voltaria para mim. Agora, seu coração já não bate tão forte e sua respiração estava sendo controlada por aparelhos.
Será que eu estou prolongando o sofrimento por puro capricho? O que raios eu estou fazendo?
Mas eu não posso... Não consigo desistir. Lucas ainda precisava ver o que a vida planejou para nós.
Ele ainda precisava abrir os olhos e sorrir como só ele sabia fazer. E me fazer rir como ninguém conseguia mais.
Agora, eu escrevo estas últimas palavras com lágrimas escorrendo incessantemente pelo meu rosto. Na esperança que um dia você acorde e possa ler todas nossas aventuras.
Clara está fazendo 1 ano hoje, e já posso vê-la andando pela casa tocando o terror. Ela é teimosa como eu, mas os olhos e aquele sorriso... São totalmente seus.
Ela trouxe novas cores para o meu mundo e, apesar de deixar tudo de cabeça para baixo, ela me sacudiu o suficiente para ter vontade de viver novamente.
Este livro é para você, meu amor. Todas nossas memórias. Tudo que nos fez chegar até aqui.
E isto não é um adeus!
É um até logo.
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Rostos Borrados
DragosteJá imaginou não conhecer a si mesmo? Rostos borrados, desconhecidos amigos, nenhum traço. Ana é uma garota sem rosto. E todos a sua volta também. Em meio a multidão desfocada, um amor da infância ressurge em sua vida depois de seis anos. Será que el...