Um abraço para Hades

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    Rafa foi embora no dia seguinte.

    Não vou mentir, chorei bastante. Conseguimos aproveitar da melhor forma possível, e fechamos o dia anterior com chave de ouro no parque de diversões. Mas, mesmo assim, sentia uma grande tristeza por ele ir embora.

    No dia que Rafa foi para o aeroporto, Lucas me acompanhou.

    Ele estava lá quando meu melhor amigo acenou de longe até atravessar o portão de embarque...

    Ele estava lá quando o avião alçou vôo...

    Ele estava lá quando não podia mais conter minhas lágrimas, e despenquei no chão, ficando de joelhos e soluçando tanto que minha cabeça doía.

    Ele estava lá... E em nenhum momento me julgou, ou foi grosseiro.

    Ele simplesmente estava lá, respeitando minha tristeza.

    Eu sentia como se tivesse um buraco no peito. Um amigo que conhecia desde que me lembro por gente tinha ido embora, e agora eu me sentia extremamente sozinha.

    Estava tão triste que não me importei quando Lucas foi pela primeira vez à minha casa. E de repente ele estava em todos os lugares que podia.

    Ele era sarcástico, intrometido, maldoso e escroto muitas vezes, mas, quando precisei, ele estava lá. Compreensivo, amigável, engraçado e gentil...

    Lucas parecia ter duas personalidades fundidas em uma pessoa só. E quer saber? Depois do que ele me contou dos pais, eu não tinha dúvidas que todas as coisas ruins que ele fazia, não era exatamente culpa dele. E apesar de tudo aquilo que carregava, ele conseguia ser bom.

    — Você acha que ela vai encontrar o corpo do cara no celeiro? — Lucas, perguntou, com a boca cheia de pipoca.

    — Talvez se você calar a boca a gente fica sabendo! — briguei com ele, com pipoca transbordando da boca também.

    — Credo, você fala de boca cheia — ele me encarou, as bochechas inchadas e alguns pedaços de pipoca caindo.

    Começamos a rir, espalhando pipoca semi mastigada pelo sofá e coberta que compartilhamos.

    — Não acredito que a gente fez isso de novo! — exclamei. — Meu pai vai me matar, eu prometi que não ia sujar o sofá depois daquele dia que derramamos refrigerante.

    — A gente limpa depois — protestou —, vamos terminar de assistir!

    — Lucas! — chamei sua atenção. — Levanta essa bunda enorme do sofá agora e me ajuda!

    Foi o suficiente para ele se levantar e ajudar a recolher o lixo e restos de pipoca.

    Meu celular tocou, anunciando uma mensagem. Estranhei, pois já passava da meia noite. Lucas pegou e leu o conteúdo.

    — Você pretende visitar alguém? — Ele balançou o celular na minha frente.

    Peguei o celular e encarei a tela por alguns momentos. Tinha me esquecido completamente do combinado com o investigador. Era o endereço da mulher que estava procurando. Finalmente estava ali, na palma da minha mão.

    — Essa cidade fica meio longe — Ele comentou, distraído com o filme.

    — Eu... Eu preciso ir - disse meio entorpecida. — Preciso ir...

    — Como assim? — Ele me encarou. — Você está louca? Está muito tarde. O que é tão urgente assim?

    — Eu preciso ir — continuei murmurando.

    Fiquei repetindo aquela frase como um mantra, enquanto me dirigia para meu quarto e comecei a arrumar uma mochila com roupa e o que eu via pela frente.

    — Nana — Ele chamou —, o que está acontecendo?

    — Eu preciso ir — continuei arrumando a mochila.

    — Nana, fala comigo! — A voz ficando alarmada. — O quê foi?

    — Eu preciso ir...

    — ANA! — Ele falou forte me segurando pelos braços e obrigando-me a olhar em seu rosto.

    — Eu... — Aquilo foi o suficiente para me fazer acordar. — Desculpe, Lucas, aquele endereço é importante. Eu preciso ir até lá, o mais rápido possível.

    — Você não pode ir agora — Ele disse, mais calmo. — Que tal amanhã de manhã? A cidade fica a quatro horas daqui.

    — Mas é importante — disse, teimosa.

    — Isso eu entendi — Ele estava levemente irritado —, mas você não pode sair assim no meio da noite como uma louca sem rumo. Amanhã tem aula, não é? Faltamos e vamos até esse tal endereço.

    — Vamos? — balancei a cabeça — Eu não posso te levar até lá. Pode ser perigoso!

    — O quê tem lá afinal? — Ele finalmente tinha me soltado.

    — Eu não posso dizer. Juro que é importante, mas eu não posso te contar.

    Ele sentou na beira da cama e ficou em silêncio por um momento. Esperei pacientemente ele dizer que ia embora e nos víamos outro dia.

    — Certo... — Passou a mão nos cabelos escuros — Acabei de tirar minha carteira de motorista, posso pedir a moto de um amigo emprestada e te levo até lá. Não precisa dizer o que é, mas eu vou contigo, e não tem discussão nisso. Se é perigoso, não vou deixar que vá sozinha. Eu já vi o endereço, se teimar em ir sozinha eu te encontro lá mesmo assim.

    — Lucas... — Eu estava, pela primeira vez, sem palavras.

    — A rainha do discurso ficou muda? — Ele brincou. — Este é um dia memorável.

    Me limitei a olhá-lo. Tudo começou com um trato infernal, e agora estávamos ali...

    Eu o abracei. Por um momento ele ficou imóvel de surpresa, mas logo relaxou e me abraçou de volta.

    — Bem... Isso foi bem repentino — A voz dele abafada por meus cabelos compridos.

    Fiquei ali, me permitindo abraçar alguém que aprendi a gostar.

    Logo encararia um passado que não sabia se queria reconhecer. 

Rostos BorradosOnde histórias criam vida. Descubra agora