Motivos de uma Gatuna

9 2 0
                                    


    Depois de ficar vários minutos sozinha na sala, com o queixo caído batendo nos meus pés, finalmente processei.

    Lucas era o cara que dançara comigo na boate e me ajudou com o assediador... e também tinha uma cantada horrorosa!

    Eu não reconheci a voz dele naquela hora por todo o barulho da música. Coincidências da vida...

    Sacudi a cabeça e espantei os pensamentos inúteis da cabeça. Eu tinha outros problemas para resolver. "Espero que as informações valham a pena ter feito o trato com o capeta".

    Já eram 10h, precisava ir embora para chegar no centro e encontrar meu informante. A escolha mais segura era ir até a enfermaria dizer que precisava ir embora com cólica... Mas tinha 80% de chance de chamarem meu pai, o que arruinaria meus planos completamente.

    Era hora de acrescentar mais coisas na lista de travessuras.

    Fui até minha sala e peguei minha mochila, andei até a lateral do colégio, onde o muro não era tão alto. Joguei minha mochila pelo muro e me preparei para escalar/pular. Os movimentos de atletismo da aula de educação física precisavam valer alguma coisa.

    — Eu não acredito que eu tenho a sorte de sempre te pegar fazendo alguma coisa errada — Ouvi alguém gargalhando.

    — Não é possível! — disse, olhando para trás.

    Sim, era ele, o senhor demônio dos contratos.

    — Cara... — ele continuava rindo.

    — Olha, você pode rir, contar pra alguém, ou até mesmo me chantagear depois, mas eu preciso ir, é urgente — falei sério, com uma ponta de desespero na voz.

    Ele percebeu meu desespero e que não estava brincando.

    — Não sei o que está acontecendo, mas parece sério... — Ele ponderou.

    O demônio se agachou ao meu lado e trançou os dedos em direção ao meu pé.

    — Vai, eu te ajudo — disse, fazendo movimento de levantar com a mão.

    — O que...

    — Você pode me contar depois, se quiser — sorriu de leve. — Agora você precisa ir, não é?

    — Lucas... — tentei falar, mas estava surpresa com a gentileza.

    Aceitei a ajuda e pulei o muro. Antes de descer para o outro lado sussurrei "obrigada". Peguei minha mochila e sai correndo sem olhar para trás, com medo de alguém me fazer parar e voltar para dentro.

    O centro estava lotado, já estava próximo do horário de almoço, e muita gente aproveitava as várias lojas. Eu tinha mais uma hora antes do encontro na cafeteria.

    Perambulei pelas lojinhas, comprei comida para almoçar e adquiri algumas lembrancinhas para meu pai, Rafa e Lucas. É... Comprei um presentinho para o diabo.

    Enquanto escolhia o presente de Rafa me lembrei que não falava com ele desde sábado a noite. Mandei uma mensagem.

"A princesa virou dragão? Desce do pedestal e fala comigo, bonita".

    Mandei também uma carinha revirando os olhos. Acho que ele não ia me responder, mas precisava pelo menos falar alguma coisa. Aquela greve de silêncio não fazia o menor sentido.

    Chegando na rua Carmesim avistei a cafeteria da mensagem. Ela ficava entre outros dois prédios comerciais, era pequena e aconchegante.

    Lá dentro tinham poucas pessoas espalhadas pelas mesas. Um homem estava com seu notebook aberto e uma caneca personalizada escrita "não pode chover o tempo todo - o corvo". Fui até ele e sentei na cadeira a sua frente.

    — Pontual como sempre, senhorita Gomez — cumprimentou com um aceno de cabeça.

    — Boa tarde — sorri e entreguei um envelope grosso para ele — Novidades para mim?

    — Encontrei ela — Ele pegou o envelope de dinheiro e me passou um papel. — Foi difícil, ela mudou de nome.

    — Sabe o por quê? — olhei para o papel.

    — Conversei com alguns informantes, pelo que descobri, ela fez algo... ilícito. A antiga identidade está sendo procurada por contrabando de drogas. Argentina para o Brasil.

    Ouvia o que ele estava dizendo e lia o papel, era a cópia de uma identidade e as informações abaixo:

"Fernanda Tavares Conceição. 66 anos. Aposentada. Viúva."

    — Aqui não diz onde ela mora — constatei, virando o papel.

    — Não me passaram a informação ainda. Parece que ela estava entre casas. Mas não se preocupe, você sabe que quando prometo eu cumpro. Assim que receber o endereço te envio por email.

    Ele me passou um envelope grande.

    — Aqui tem mais informações. Outras identidades dela, alguns registros de carros e casas nos diversos nomes que ela forjou. Mas estou curioso, senhorita Gomez... — ele passou a mão pela barba grande.

    — O que foi? — perguntei, guardando o envelope na mochila.

    — O que pretende fazer com essas informações? Eu sei que me contratou com sigilo, mas... A senhorita é muito jovem, porque ir atrás de alguém assim?

    — Preciso de respostas, Romano — suspirei. — Eu sei que essa mulher tem as respostas que eu preciso para continuar em frente. Você sabe o que aconteceu com a minha família. Ela tem dedo nisso, é a única pista verdadeira que eu tenho daquele dia.

    — Bom... Sou a última pessoa que pode dizer algo contrário a você.

    — Obrigada. Sei que pode ser perigoso, mas preciso disso.

    Sai da cafeteria com o pensamento de que cada centavo valeria a pena. Me tornei uma ladra, e sei que não existe justificativa para roubar. Eu provavelmente deveria ser presa. Mas finalmente consegui uma informação importante sobre meu passado no presente.

    Assim que recebesse o endereço iria confrontar aquela mulher. Consuela, Maria, Nazira, Joana... E agora Fernanda. A mulher era difícil de encontrar, mas dessa vez eu conseguiria.

    Não virei uma Gatuna por nada. 

Rostos BorradosOnde histórias criam vida. Descubra agora