Vovó de Schrodinger

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    — Vovó? — Lucas perguntou, confuso e desesperado, enquanto pegava meu cabelo e colocava para cima — Do que você está falando, Ana?

    Continuei dobrada ao meio por um tempo, pensando que ainda tinha alguma coisa para vomitar. Assim que meu estômago se acalmou um pouco, voltei a ficar de pé.

    — Eu... — Ainda estava extremamente abalada com a lembrança que rodopiava em minha cabeça. — Aparentemente meu cérebro tinha escondido algumas lembranças de mim. Agora eu entendi porque não sabia quem era aquela mulher, só lembrava o nome...

    — Você tinha dito que não consegue ver o rosto das pessoas, como conseguiu ver o dela? — O coitado estava mais desesperado e confuso que eu.

    — Não consigo — constatei. — Você viu a tatuagem? Ela sempre teve aquilo. É o símbolo do cartel Argentino que ela comanda, ou comandava, realmente já não sei mais.

    — Meu Deus, Ana... — Ele passou a mão nos cabelos — Sua avó é da máfia Argentina?!

    — Calado! — tapei a boca dele. — Nós precisamos sair daqui. Eu não sei se ela me reconhece ou não. Vir aqui foi um erro, Lucas. Um puta erro.

    Assim, saímos apressados para pegar a moto que estava um pouco antes da entrada da casa. O portão estava fechado, como se nada tivesse acontecido.

    Dirigimos para casa, na maior velocidade que conseguimos, para longe daquele horror.

    Já era por volta das quatro horas da tarde quando estacionamos na frente do Jota's. Lucas pediu sanduíches para a viagem e logo depois me conduziu para o parque que tinha em frente à lanchonete.

    Nos sentamos na grama, sentindo o vento passando por nós.

    — Não sei se eu posso considerá-la minha avó — ponderei, quebrando o silêncio. — A última vez que a vi ela tentou me matar com um tiro, mas acertou no meu ombro...

    — O QUÊ?! — Ele gritou, e ao perceber isso, falou mais baixo — Ela atirou em você?!

    A cicatriz em meu ombro estava me incomodando, como um lembrete do que tinha acontecido naquela noite.

    — Aqui — afastei minha blusa e mostrei a cicatriz arredondada perto da clavícula. — Eu tinha sete anos. Até hoje eu achava que essa cicatriz era de um tombo que dei e um galho me atingiu. Acho que meu pai queria me proteger, já que eu não lembrava.

    Contei para ele tudo que tinha recordado sobre aquele dia, até mesmo sobre minha mãe. Lucas ficou calado e tocou na cicatriz, me fazendo arrepiar. Então, ele me abraçou forte.

    — Não vou deixar que te machuquem novamente, entendeu? — Sua voz estava grave e séria, como eu nunca tinha ouvido antes.

    O peso do que eu descobrira ainda não tinha caído para mim. Assim que fui abraçada por Lucas, todas minhas preocupações vieram à tona. Consuela poderia vir atrás de mim. Ou pior, poderia vir atrás do meu pai, e talvez de Lucas também. Eu tinha colocado todos em perigo, por causa de um simples desejo de saber mais sobre meu passado. Como eu era estúpida...

    Senti meu rosto molhado, mas não estava chovendo. Escondi meu rosto, enterrando-o na camiseta do meu confidente. Eu já não me importava tanto em ser forte, o mundo estava desmoronando aos poucos.

    — Talvez ela não tenha te reconhecido — Ele sussurrou, solícito.

    — Se reconheceu... — Eu soluçava. — Então eu condenei todos vocês à morte.

    Ele sussurrava que tudo ia ficar bem. Nós resolveríamos o problema se houvesse algum. Ninguém ia se machucar. Eu estava protegida.

    Tudo que eu queria era que aquilo bastasse. Mas sentia que meu corpo ia se desfazer ali, transformando a grama verde em vermelho escarlate. Eu queria sumir.

    — Ei — Ele me chamou, afastando-me e limpando meu rosto —, que tal vivermos nossas vidas como se o mundo fosse acabar amanhã?

    — Que papo é esse? — sorri com a proposta.

    — Esse é aquele caso do gato de Schrodinger, não acha? — ele sorriu de leve. — Sua avó pode ter te reconhecido ou pode não ter reconhecido, só saberemos se alguma coisa acontecer no futuro. E, mesmo assim, não podemos fazer nada para mudar as coisas.

    — Estou impressionada que você conhece essa teoria — arregalei os olhos.

    — Não seja babaca! — Ele brigou e continuou o raciocínio — O que eu quero dizer é que podemos viver todos os dias com medo de que alguma coisa aconteça, sendo que pode ser que nem aconteça. O melhor aqui seria continuar vivendo normalmente, da melhor forma possível. Se algo acontecer, então não teremos arrependimentos de ter deixado de viver como queríamos; e se nada acontecer, então estamos no lucro.

    Fiquei um tempo encarando seu rosto borrado. Aquilo realmente fazia sentido, o que era surpreendente vindo dele.

    — Obrigada — sorri. — Deve ser bem óbvio, já que você conseguiu pensar nisso.

    Comecei a rir ao ver sua expressão de incrédulo.

    — Você é um monstrinho, Nana!

    Então, ele começou a fazer cócegas em mim, aumentando minhas risadas. Levantei rapidamente e sai correndo. De repente, estávamos brincando de pega-pega que nem duas crianças. Os adultos que estavam ali começaram a rir, vendo nossas gracinhas e caretas.

    Ficamos matando tempo até a noite chegar. Lucas me levou para casa e, dessa vez, não quis ficar. Estranhei um pouco, depois de 3 dias seguidos ficando conosco.

    — Aconteceu alguma coisa? — perguntei, preocupada.

    — Nada demais — Ele descartou minha preocupação. — Minha mãe tinha levado minha irmã pra uma viagem, e elas voltaram hoje. Preciso ir para casa.

    — Não sabia que você tinha uma irmã — franzi a testa.

    — Você nunca perguntou — deu de ombros. — Aliás, obrigado por me acolher esses dias. Vocês me salvaram. Agradeça seu pai por mim.

    Ele abaixou a viseira do capacete e partiu. Pensei o quanto eu ainda não conhecia muito sobre ele, apesar dele ter conhecido até o meu segredo mais obscuro.

    Ao entrar no apartamento, percebi que meu pai não estava. Provavelmente ficou preso no escritório com mais um projeto.

    Sentei no sofá e vi a coberta que Lucas estava usando esses dias. Um sorriso brotou em meu rosto, pensando em como ele conseguia me fazer rir em um dia tão pesado. 

Rostos BorradosOnde histórias criam vida. Descubra agora