Devaneios e desesperos

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    Era como se tudo estivesse em câmera lenta. Ele levantando o braço e colocando o corpo um pouco para frente, pronto para desferir um soco em mim, e seu rosto desconexo não me permitindo ao mesmo saber quem era meu agressor.

    — Ei! — Alguém gritou perto de nós. — Sai de perto dela!

    Ele parou de se mover e olhou para quem estava interferindo.

    — Não se intrometa, imbecil — resmungou de volta.

    Então, a pessoa que interferiu, pegou o babaca pela gola da camisa e empurrou até chegar em uma parede. Eu conhecia bem aqueles hematomas. Não entendia o porquê de Caio estar ali, mas agradecia silenciosamente.

    — Eu disse para sair de perto dela — Ele falou com tom baixo e ameaçador.

    — E quem é você? Também está comendo a puta? — O garoto não sabia quando parar.

    — Cale a boca, imbecil — Seu antebraço pressionou o pescoço do cara. — Isso não é jeito de se referir a uma mulher.

    — Quem é você para falar assim comigo?! Me solta! — ele tentou se desvencilhar, mas Caio era mais forte. — Você sabe quem eu sou? Posso te processar e acabar com a sua vida!

    — Você acha que eu tenho medo de um filhinho de papai feito você? — O rosto de Caio ficou sério, como eu nunca tinha visto antes, seus olhos cheios de ameaça. — Me processa, vai. De moleque espancador de mulher eu só tenho nojo. Se encostar em alguma mulher de novo, ou se eu ver sua cara mais uma vez, você vai desejar ter sido um aborto, entendeu?

    Caio olhava fixamente para o garoto, que estava completamente assustado. Eu podia ver algumas veias saltando do pescoço do meu salvador, de tão nervoso que ele estava.

    — Vou perguntar mais uma vez, porque acho que a princesa não ouviu — Ele falou alto e apertou um pouco mais o antebraço no pescoço do assediador. — Você me entendeu?!

    — Sim, senhor — A voz do menino saiu fina.

    — Agora vai embora, antes que eu arranque seus dentes e os enfie nos seus olhos! — Caio o soltou e imediatamente o garoto saiu correndo aos tropeços.

    Ele olhou para mim, e seus demônios sumiram, suavizando suas expressões. Como eu queria entender seu rosto... E conseguir enxergá-lo por completo naquele momento. Eu o abracei com força, pouco me importando dele não gostar de abraços.

    — Obrigada — falei, enquanto o libertava do meu afeto.

    — Por que você sempre se mete em confusões? — Ele coçou a cabeça, sem jeito.

    — Eu não me meto em nada, elas que me acham sem eu procurar — dei de ombros, rindo.

    — Sorte a sua que eu estava por aqui, então — bagunçou meu cabelo.

    — Ei! - protestei. — Aliás, o que raios está fazendo aqui? Você nunca vai em festas, é pior que eu para essas coisas.

    — Nataly me convidou — deu de ombros, como se aquilo fosse natural.

    — O quê? — perguntei, achando que tinha ouvido errado.

    — Nataly. Me. Convidou. — falou pausadamente.

    — Desde quando vocês conversam? Eu não sabia que ela viria também — arregalei os olhos e fui me sentar em uma das espreguiçadeiras, convidando-o a se juntar a mim.

    — Desde que você começou a namorar o Lucas — Ele olhou para o céu. — Ela... Parecia diferente. Você sabe... Ela sempre teve aquele jeito super alegre, mas aí ela começou a ficar diferente quando se afastava de vocês. Um dia eu a vi naquela árvore do lado do portão principal, ela não estava chorando, mas parecia tão... Triste.

    Fiquei calada. Ele tinha visto Nataly triste antes daquela noite... Nós que éramos os amigos dela nem ao menos tínhamos nos tocado das mudanças de humor e dos dias que ela sumia. Continuávamos nossas vidas, alheios ao seu sofrimento.

    — Ela estava tão triste que resolvi conversar — Ele continuou, tirando-me dos meus pensamentos mórbidos. — Então eu descobri sobre o que estava acontecendo. Ela sabia que eu era seu amigo, então me fez prometer não contar, porque ela contaria no tempo certo. Só precisava de um momento para digerir tudo aquilo.

    — Eu não tinha percebido — sussurrei. — Nenhum de nós tinha. Somos tão egoístas.

    — Acho que não é exatamente culpa de vocês — ponderou —, ela tentava esconder o máximo possível. E você também estava muito entretida com Lucas, seria difícil perceber. Ninguém imaginaria que ela realmente fizesse aquilo. Mas entendo, a situação não era nada fácil.

    — Será que podíamos ter evitado? — estremeci com o pensamento.

    — Não sei, sinceramente — levantou-se. — Não vale a pena se prender ao passado. Vamos lá para dentro ver se achamos a Nataly, encrenca.

    — Ainda estou intrigada com como você veio parar em uma festa por causa da Naty - franzi a testa.

    — Sua cabeça vai fritar assim — Ele riu e entrou na festa.

    Bufei e o segui rumo a sala agitada. Rafa estava conversando com um garoto em um canto, então não quis atrapalhar seu momento. Achei estranho não ver Nataly ali, já que ela mesma tinha convidado Caio para ir. Peguei na mão de Caio e o arrastei até onde as pessoas estavam dançando, mesmo com seus protestos.

    — É só sentir a música! — falei, rindo de sua expressão de desespero.

    — Eu não danço, Ana — franziu a testa.

    Parei de dançar e olhei solidária para ele, o coitado estava completamente fora de sua zona de conforto. Peguei sua mão e fomos nos sentar nas espreguiçadeiras mais uma vez, longe de toda aquela agitação.

    — Estranho Nataly não estar aqui ainda — comentei.

    — Também acho — concordou, olhando para as estrelas —, ela não respondeu às minhas mensagens até agora.

    — Ainda acho estranho você ter feito amizade com ela — disse pensativa. — Lembro de você falando que somos um bando de pirralhos barulhentos.

    — Vocês são — Me lançou um olhar de canto —, quando estão todos juntos. Mas é diferente quando vocês duas estão longe dos outros. Com eles vocês parecem mais artificiais, mais felizes do que realmente são. É como se vocês se esforçassem para ficarem alegres ou algo assim. Gosto de vocês quando são reais.

    Guardei todas aquelas palavras. Era tão difícil encontrar pessoas que me aceitassem como eu era, sem precisar lançar sorrisos falsos e elogios vazios. Eu gostava dos outros, mas não era a mesma coisa de quando eu passava tempo com Caio e Nataly. Por algum motivo eles me entendiam. Talvez por terem passado por tantas coisas ruins quanto eu. Rafa podia ser meu amigo de infância e sempre esteve comigo nos piores momentos, mas ele não entendia muito bem o escuro que habitava minha alma.

    A mão de Caio estava pendurada ao seu lado, solitária. Peguei-a para mim, transmitindo um agradecimento silencioso. Ele não desvencilhou, apenas ficou em silêncio observando as constelações.

    Então meu celular tocou e a foto de Nataly fazendo careta apareceu na tela. Coloquei no viva voz para Caio ouvir também e atendi.

    — ANA! — ela gritou, desesperada - SOCORRO! PELO AMOR DE DEUS!

    Eu e Caio nos encaramos, nossos olhos arregalados de surpresa. Meu coração faltava sair pela boca de adrenalina e preocupação.

    — Naty? O que aconteceu? — perguntei exasperada — Onde você está?

    Seus gritos ficaram mais distantes e outra voz entrou em cena.

    — ¡Hola, Aninha! Te extraño. Llevé a tu amiguita a caminar, únase a nosotros para charlar.¹

    A voz feminina transmitiu um arrepio por todo meu corpo. Nada poderia me preparar para aquele momento.


¹Oi, Aninha! Estou com saudades, peguei sua amiguinha para um passeio, venha se juntar a nós para conversar

Rostos BorradosOnde histórias criam vida. Descubra agora