Reconhecimento

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    — Como assim? — Caio perguntou, tirando-me dos meus devaneios.

    — Você se lembra que eu contei que não vejo o rosto de vocês? — perguntei.

    Ele assentiu, sem me interromper.

    — Quando estava apanhando de Diego eu via o rosto de minha mãe, era difícil reconhecer porque ele estava desfigurado, mas eu não via sua aparência borrada - continuei falando. - Depois, quando acordei no hospital, pude ver o rosto de meu pai.

    — Você consegue ver outras pessoas também? — perguntou — Consegue me ver?

    — Não... - falei, cabisbaixa — Só o rosto dele. Eu não faço ideia do porquê. Eu imagino que não ver rostos tem a ver com aquela experiência com Consuela quando eu era criança. Mas... Ver o rosto de minha mãe e meu pai agora... eu não entendo....

    — Talvez seja porque Consuela morreu — deu de ombros. — Seu subconsciente deve estar "relaxando" ou algo assim.

    — Explicaria — concordei.

    — E por que não falou nada até agora? Quer dizer... Você acordou e viu o rosto dele, mas isso foi há dois dias.

    — Eu fiquei com medo, sinceramente — confessei. — Não sabia se isso ia ser permanente ou se ia parar de enxergar novamente. Fiquei com medo de contar para ele e depois...

    — Faz sentido - pegou minha mão. — Deve ter sido difícil para você fingir que estava tudo bem.

    — Tem outra coisa que queria falar com você.

    — O quê? - franziu a testa.

    Fiquei por um momento apenas observando seu borrão e sentei ao seu lado. Eu tinha ignorado os sentimentos de Lucas por um bom tempo, mas não faria isso novamente, eu precisava ter coragem agora.

    — Quando eu estava no hospital ouvi você falando comigo — comecei, torcendo os dedos —, ouvi o seu "eu te amo".

    Caio arregalou os olhos e ficou boquiaberto, pego de surpresa. Esperei ele se recompor.

    — Eu ainda não sei o que pensar sobre isso — continuei. — Com tanta coisa acontecendo eu... Eu não sei o que dizer.

    — Eu sei que você não gosta de mim como gosta de Lucas — falou, por fim. — E não estou te pressionando para nada. Eu... Te amo, Ana. Não posso esconder isso, e tenho que ser sincero.

    Ele se aproximou, ficando a poucos centímetros do meu rosto.

    — Minha vontade é te beijar — continuou —, mas não vou fazer nada que você não queira.

    Tentei falar, mas nada saiu. Seu cheiro amadeirado invadia meu olfato e minha cabeça estava confusa. Fechei os olhos e o beijei, sem pensar muito no que estava fazendo. Ele ficou parado por um momento, absorvendo minha ação. Então colocou a mão em minha nuca e me beijou de volta.

    Depois de algum tempo, nós nos separamos. Ele estava com um sorriso bobo estampado.

   — Acho que isso pode ser considerado uma resposta — falei.

   — Acho que sim — passou as mãos pelos cabelos.

    — Não posso te dizer que te amo como você me ama — confessei, vendo seu sorriso desaparecer. — Mas eu amo você, e quero fazer isso dar certo.

    — E Lucas? Você sabe que ele apareceu no hospital? — ficou observando minha reação.

    — Eu ouvi ele falando comigo, mas ainda não tinha certeza — suspirei. — Não posso me enganar, Caio... Eu sei que ele não vai voltar tão cedo. Ele escolheu seguir a carreira que os pais queriam, e eu não posso mudar isso. Não quero perder 4 ou 5 anos da minha vida imaginando o que poderia ter acontecido. Quero viver o agora, ainda mais sabendo que Diego pode aparecer a qualquer momento.

Rostos BorradosOnde histórias criam vida. Descubra agora