Nana esquecida

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    Lucas me ignorou uma semana seguida. Eu realmente não estava muito no clima de drama, então decidi esperar ele vir falar comigo (me julgue se quiser).

    Nesse meio tempo, Nataly fez mais amizades, me arrastando junto para todo lado que ia. Acabei me vendo nos intervalos com um grupinho de pessoas. Algo que eu e Rafa nunca imaginaríamos que aconteceria (aliás, anotei mentalmente esse tópico para fofocar quando a gente fosse conversar no fim de semana por vídeo chamada).

    Eles eram legais, devo admitir. Acabei conseguindo distingui-los pelo estilo de roupas e cabelos. Vanessa tinha cabelos de fogo e vestia roupas de menino; Tony (aprendi que chamá-lo de Antônio era invocar uma entidade maligna que faria um baita escândalo) tinha cabelos com dreads e a pele escura; e Joyce era a menina loira que idolatrava a moda japonesa. Eu mentalmente agradecia por Nataly ter conhecido pessoas tão distintas.

    Sempre que me sentava com eles para comer, podia sentir alguém me observando. Às vezes topava com a pulseira de Lucas, mas ela nunca se aproximava muito de mim.

    André, o maluco que dizia me conhecer quando criança, tentava se aproximar de mim. Não entendia muito bem o porquê dele ser tão insistente, mas aquilo já estava me dando nos nervos. Joyce, alheia a minha irritação, chamava ele pra se juntar a nós por algum tempo nos intervalos.

    Passei a frequentar mais vezes o Jota's junto com meus novos amigos. E muitas vezes me pegava lembrando do dia que conheci Hades, e como muita coisa mudou desde aquele dia.

     Nosso beijo, desejoso e ardente, ainda estava estampado em minha mente, mas quanto mais tempo se passava, menos eu sabia como falar com Lucas. E uma tristeza enorme me invadia, pensando que tinha perdido uma pessoa valiosa por um deslize tão idiota.

    Estava andando pelos corredores a procura de Nataly quando ouvi alguém cantando na sala de música. Aquela música me era familiar, mas fazia muito tempo que eu não a ouvia.

    Curiosa como eu sou, espiei pela janelinha da porta. O garoto estava sentado em um banco com um violão em mãos. Em seu punho podia ver a pulseira preta e vermelha. Ele olhou em direção a porta e cortou imediatamente a canção ao me ver. Minhas bochechas ficaram vermelhas e eu saí dali o mais rápido que consegui.

    — Fazendo alguma coisa errada, Aninha? — Alguém falou perto do meu ouvido.

    Detestava aquele apelido. E gostava menos ainda da pessoa que começou a me chamar daquela forma. "Nana... Não interessa se é maior que o seu próprio nome", a lembrança dele falando comigo naquele dia me pegou.

    — Não é da sua conta, André — suspirei.

    — Por que você é tão má comigo? — Ele questiona, magoado.

    — Porque eu não gosto de você - revirei os olhos. - E eu não tenho obrigação de gostar. Já disse para você me deixar em paz.

    — Algum problema aqui? — Alguém interveio.

    — Caio! — exclamei, animada.

    André se limitou a bufar e ir embora. Caio era outra pessoa que conheci nesse tempo que Lucas não conversou comigo (estou ficando popular, não é mesmo?!). Ele era um garoto complicado, aos olhos dos outros. Vivia cheio de machucados e cicatrizes (aliás, nos conhecemos porque ofereci uma toalha para ele estancar um sangramento no nariz).

    — Esse maluco está cada vez mais insistente — Ele constatou.

    Todos achavam que ele fazia parte de alguma gangue, e vivia se metendo em brigas. Ele fazia parte de uma gangue? Sim... Mas a maior parte dos machucados vinham de seu padrasto. Ele defendia sua mãe o máximo que podia, mas o padrasto era ex-lutador de MMA, o que rendia vários machucados - e às vezes ossos quebrados - para Caio. Ele preferia assim... Melhor ele se machucar do que a mãe.

    — É... — suspirei. — Não sei como fazer ele parar. O cara é difícil!

    Eu descobri sobre o padrasto porque vi Caio sendo chutado para fora de casa com um corte na têmpora e o nariz sangrando. Desde então ele era meu amigo. Mas não gostava de andar muito comigo, já que minha turma de pirralhos barulhentos - como ele gostava de chamá-los - estava sempre me rodeando.

— Escuta... — Ele chamou minha atenção — Quer sair comigo hoje a noite? Para jantar.

    Ele aparecia aleatoriamente, e geralmente saíamos para passar tempo juntos sozinhos fora da escola. Caio dizia gostar do meu humor ácido, e eu gostava mais dele do que qualquer um dos outros (mas não tanto quanto gostava de Lucas... Como eu sentia falta daquele demônio).

    — Claro! — falei animada. — Algum restaurante novo no radar?

    — Abriu um de comida argentina na Rua 12.

    Meu sorriso vacilou por um momento, e a lembrança de uma noite cruel fez meu ombro doer.

    — Está tudo bem? — perguntou, preocupado — Se não gosta de comida argentina não tem problema, podemos ir em outro... Tem aquele especializado em queijo que você gosta.

    — Não... — balancei a cabeça tentando afastar as memórias. — Não é isso. Lembrei da minha mãe, por um momento. Ela nasceu na Argentina. Às vezes a lembrança dela é um pouco dolorida. Mas a comida argentina parece uma boa.

    — Tudo bem... — Ele apertou os olhos, talvez tentando detectar se realmente era uma boa ideia - te pego às 19h então.

    Assim que ele foi embora eu desabei em um dos degraus da escada atrás de mim. Minha cicatriz pulsava e o sorriso alegre de mamãe me fez chorar.

    — Ana... — Uma voz conhecida me chamou com preocupação.

    Então, ele se sentou ao meu lado e me abraçou. Fazia tempo que não sentia seu cheiro. A saudade fazendo minha garganta se fechar, como se eu estivesse engolindo uma bola. O abracei com força, pensando que se o largasse, ficaria sozinha novamente.

    — Vai ficar tudo bem — Ele confirmou, da mesma forma que fizera no dia que reencontrei minha avó.

    Permite-me ficar ali um bom tempo. O máximo de tempo que podia. Meu coração estava acelerado, e doía.

    — Desculpa — sussurrei.

    — Vai ficar tudo bem, Ana. — Ele sussurrou de volta. — Agora você tem amigos.

    Então ele me soltou e foi embora. Aquela solidão que eu sentia voltou a me afogar. A falta do apelido me machucou mais do que eu esperava.

Rostos BorradosOnde histórias criam vida. Descubra agora