Rostos Borrados

Verdades sejam ditas

    — É, tem muitas coisas que você precisa saber — Ele suspirou e se deixou cair no sofá.

    — Imagino que sim — sentei ao seu lado. — Que tal falarmos sobre aquela jaqueta que vi?

   — É um bom começo, já que foi por isso que conheci sua mãe — Ele sorriu levemente e voltou a ficar sério. - Eu fazia parte de uma gangue de rua, chamada Serpentes e sua mãe, bom... Era filha da chefe de uma máfia Argentina.

    Mantive-me em silêncio, absorvendo cada detalhe e deixando que ele falasse livremente sobre a história.

    — Nós nos conhecemos por acaso — continuou. — Quando fui para a Argentina à trabalho. Na época eu tinha por volta dos meus 19 anos e era o segundo em comando. Quando conheci Catarina eu não sabia sobre sua família, mas eu me encantei em pouco tempo. Ela era uma mulher espetacular, Ana. Inteligente, sarcástica e com humor ácido. Aliás, você me lembra muito ela — Seus olhos brilhavam quando me encarou —, super engenhosa e nunca leva desaforos para casa, mas também era gentil e engraçada. Sua risada preenchia qualquer lugar que ia. Era surreal ficar junto dela.

    — Eu ouvia a risada dela quando estava inconsciente... — confessei com a voz embargada. —Eu sinto tanta falta...

    — Eu também... — falou cabisbaixo. — Às vezes parece que ela ainda está por aqui, olhando a gente e nos guiando pro caminho certo.

    — Como vocês acabaram juntos? Já que ela era da Argentina e você daqui? — mudei um pouco o rumo da conversa.

    — Fiquei por volta de quatro meses lá — respondeu nostálgico —, e acabei saindo com sua mãe algumas vezes enquanto não trabalhava. Nesse tempo acabamos nos apaixonando, de uma forma que nunca imaginei. Eu não pretendia casar e ter filhos, só queria curtir a vida ao máximo. Ainda mais do jeito que eu levava a vida, com a gangue e os trabalhos perigosos. Não me orgulho daquela época, Ana, mas faz parte da minha história. Não te contei nada sobre porque acho perigoso demais, e também deixei aquela vida para trás há anos.

    — Mamãe era realmente muito especial — enxuguei uma lágrima.

    — Muito — Ele fungou. — Renunciei toda minha vida de crime quando ela me contou que estava grávida. Nós éramos muito jovens quando aconteceu, mas eu sabia que não podia arrastar vocês duas para o meu mundo.

    — Ela escondeu de você sobre a família? — franzi a testa.

    — Por um bom tempo, sim. Depois dos quatro meses que fiquei lá, tive que voltar para o Brasil. Depois de algum tempo, Catarina acabou vindo para cá passar alguns meses. Ela sempre escapava quando eu perguntava sobre a família dela e com o que ela trabalhava. Mas devo dizer, aquele mistério só me deixava mais interessado — deu de ombros. — Depois de seis meses ela voltou para casa, mas mantivemos contato o quanto podíamos. Até que ela chegou na minha porta em uma sexta chuvosa... Seus cabelos ensopados e a maquiagem escorrida, totalmente desesperada.

    — Foi aí que ela contou sobre mim? — instiguei para que continuasse.

    — Sim — Ele sorriu, olhando para mim. — Naquele dia eu tive a notícia mais aterrorizante e feliz do mundo. E ela também me contou sobre a família e que tinha fugido de lá. — O sorriso desapareceu. — Eu sabia que estávamos ferrados e que viveríamos apreensivos e com medo, olhando para trás a cada esquina. Mas em nenhum momento duvidei do meu amor por ela, e por você.

    — Foi aí que ela mudou de sobrenome? — peguei sua mão, como um reconforto.

    — Exatamente — concordou. — Mudamos todos os documentos dela, mas mantivemos seu primeiro nome. Ela disse que era a única lembrança que tinha do pai — Seu rosto ficou obscurecido, eu não sabia se era pela sombra no apartamento ou alguma outra coisa. — Conseguimos ficar fora do mapa por muito tempo. Até que uma máfia rival conseguiu achar sua mãe. Foi naquele dia... Do parque de diversões. Eu não sei exatamente o que aconteceu, mas eles sequestraram vocês duas e espancaram sua mãe até a morte. Depois Consuela apareceu, matou o homem e tentou matar você. Ela sempre te culpou por ter "roubado" a filha dela.