Papai?!

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    — Meu nome é Diego - ele cuspiu no chão —, senti falta de chutar suas costelas.

    — Minhas mãos estão coçando para te socar de novo — rebati, mais uma vez fingindo uma bravura que eu não tinha.

    Outro homem chegou perto de nós e pegou Nataly por trás. Ela tentou desvencilhar, mas era inútil. André - ou Diego - colocou a mão em meu ombro e a outra já estava preparada. Mas antes dele me bater, eu bati em seu nariz com a mão espalmada, assim como aprendi nas aulas de defesa pessoal. Seu nariz saiu um pouco de sangue, mas apenas serviu para que ficasse nervoso.

    Fui jogada na parede com força e bati a cabeça. Diego pegou meu cabelo pela frente e bateu minha cabeça mais algumas vezes no concreto. Meu mundo chacoalhava e pontinhos pretos começaram a surgir em minha visão. A dor era insuportável, e conseguia sentir meu cabelo molhado.

    — Eres una verguenza — sussurrou perto de meu ouvido, que zumbia levemente.¹

    Ainda com a mão grudada em meus cabelos, ele me atirou no chão, fazendo-me cair e esfolar a bochecha no cimento. A parte de trás da minha cabeça latejava e eu só conseguia ver minha mãe deitada em uma posição esquisita, seu rosto quase irreconhecível.

    Rosto... Irreconhecível... Mas não borrado... O quê?

    Senti fortes pancadas em meu estômago e nas costelas. Ouvia Nataly gritando e chamando meu nome, mas não podia fazer nada. André me chutava com força, seu sapato querendo furar minha pele. A risada ecoava pelos muros, sua diversão sendo minha desgraça.

    Mais uma vez eu me encontrava no chão, sendo pisada por aquele imbecil. Eu não sucumbiria sem lutar, ele pagaria por aquilo. Juntei toda minha coragem e dobrei meu corpo assim que ele ia desferir mais um chute, conseguindo abraçar suas pernas e bater na parte de trás dos joelhos, fazendo ele desequilibrar e cair ao meu lado.

    Ignorei a dor que estava sentindo e subi em seu tronco, tentando deixar os braços presos em minhas pernas. Não esperei nenhum segundo, comecei a gritar e socar seu rosto com toda a força que eu conseguia, mesmo minhas costelas protestando. Foquei na dor que sentia em minhas mãos, cada soco sendo um choque nos dedos. Não me importava de quebrar meus ossos, contando que fizesse ele pagar.

    Os homens que estavam ali riam da situação. Pude ouvir um comentário aleatório falando que o principezinho finalmente estava vendo o que era bom. Meus socos não duraram muito tempo, logo ele conseguiu libertar os braços e me segurou, trocando nossas posições. Apenas fechei os olhos, esperando as explosões de dor que percorreriam todo meu rosto. Mas elas não chegaram.

    — Saia de cima dela, agora! — Uma voz bastante conhecida ordenou.

    — Papai?! — exclamei, abrindo os olhos.

    Meu pai estava ali, com uma jaqueta de couro que eu nunca tinha visto na vida, uma expressão de ódio estampada no rosto e uma arma apontada para meu agressor.

    — Eu disse para sair de cima dela, não disse? — Sua voz era calma e perigosa.

    Diego levantou as mãos e saiu de perto de mim. Vi uma movimentação pelo canto do olho, os homens sacaram suas armas e apontaram para meu pai. Ouvimos alguns gritos do lado de fora, e logo depois surgiram algumas pessoas no quintal. Por um momento achei que seriam mais capangas de Consuela, mas eles estavam apontando suas armas para os homens ali. Eu não estava entendendo nada, apenas me limitei a levantar, mas consegui só ficar sentada, sentindo fortes dores nas costelas e abdômen.

    — Ruan, ¿qué haces aquí? — Consuela perguntou, irritada.

    — Você vai nos deixar ir embora e esquecer de nós — Meu pai falou.

    — Los mataré, cabron — gritou.

    Vi quando ela levou sua mão para trás, e pude entender o que iria fazer. Apenas eu estava perto o suficiente para fazer alguma coisa, mas não conseguia me levantar.

    — NÃO! — gritei e me joguei em sua direção, abraçando suas pernas bem a tempo de ver o brilho de uma arma em suas mãos.

    Consuela gritou de surpresa e caiu no chão com um baque forte. Todos ficaram em silêncio, surpresos com o que eu tinha acabado de fazer. Andei até o corpo caído e peguei a arma, jogando-a em um canto longe. Olhei para ela, seu rosto imóvel e os olhos abertos.

    — Vovó! — Diego chamou e foi ao seu encontro, sem se importar com as armas apontadas em sua direção. — Abu! Abu!²

    Ele colocou dois dedos no pescoço da mulher e esperou alguns segundos. Então, ficou em choque e lágrimas começaram a verter de seus olhos. Ele pegou o corpo e abraçou.

    — Abu! — sussurrou, desolado — Não... Abu.

    Os homens abaixaram suas armas, pasmos com o acontecimento. Consuela era a líder deles durante muito tempo, e agora, subitamente, ela se foi. Sem um líder, provavelmente eles estavam perdidos, esperando ordens de alguém novo.

    — Diego... — falei, apreensiva. — Sinto muito... Eu...

    — ¡Vete! — ele cuspiu as palavras. — Vá embora agora, antes que eu mude de ideia.

    Com suas palavras os homens guardaram as armas. Provavelmente, Diego seria o sucessor, pela forma que eles estavam agindo.

     — Ana, vamos — Caio chegou ao meu lado e me ajudou a levantar, colocando meu braço em volta de seus ombros e segurando minha cintura.

    Vi meu pai fazendo sinal para o pessoal que estava com ele, e todos começaram a ir embora pelo corredor lateral. Consegui ver as costas de sua jaqueta, que tinha estampada uma serpente enrolada em uma caveira. Franzi a testa, estranhando aquela peça de roupa desconhecida.

    Olhei para trás uma última vez. Diego estava dobrado em cima da avó, inconsolável, enquanto os homens o rodeavam em sinal de apoio. Vendo ela daquela forma, e que meu maior pesadelo teve um fim, não consegui deixar de sentir um certo pesar. Poderia ter sido diferente, se ela não guardasse tanto rancor. Mas se eu não tivesse agido, provavelmente seria órfã ou mesmo um cadáver.

    Ao chegar na calçada, o esgotamento me atingiu. Eu estava aguentando até ali por pura adrenalina e necessidade, mas assim que o perigo passou, meu corpo se deu conta de todo o impacto.

    — Eu vou cair — sussurrei meio drogue e minha visão ficou turva.

    Mergulhei em um escuro reconfortante. Entregando-me a serenidade silenciosa do meu inconsciente.


¹Tradução: Você é uma vergonha.

*Nota: Abu pode ser um chamativo para avó, já que em espanhol é Abuela.*

Rostos BorradosOnde histórias criam vida. Descubra agora