Reencontro

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    — Só você para me fazer vir aqui — bufei irritada.

    — Pare de drama, mocinha! — Nataly brigou comigo. — É deprimente ver você assim por causa de um garoto.

    Limitei-me a revirar os olhos. Tínhamos viajado com a mãe de Nataly para outro estado, como elas diziam: uma viagem terapêutica de fim de semana. No primeiro dia fomos à praia, Nataly deu em cima de alguns garotos e acabamos o dia jantando em um restaurante super chique. Hoje, no segundo e último dia, tia Laura nos acordou cedo para ver o sol nascer e passamos a tarde em um spa encantador. Agora, no finalzinho do dia, Nataly me obrigou a subir um dos morros mais altos, onde tinha uma empresa que alugava asa-delta.

    — Ana, pelo amor, você tem que superar isso! Já fazem meses — Ela me encarou. — Eu sei que você o ama, mas vai deixar de viver por causa disso? Tem outras coisas na vida, outras pessoas, novas experiências.

    — Eu não sei o que fazer — sussurrei.

    — E por isso vai ficar esperando até que ele volte? Depois de quanto tempo? Quatro? Cinco? Dez anos? — disse, exasperada. — Você já é grande o suficiente para saber que a vida não é perfeita. Existem outras pessoas por aí. Não existe só um amor eterno. Cresce, Ana!

    — E o que você sabe sobre isso? — falei irritada.

    — O que eu sei? — Ela riu sem humor. — Eu perdi a porra de um filho, Ana! Eu tentei me matar porque um imbecil que eu amava me engravidou e me abandonou. Eu fui idiota de querer me matar, mas eu sei o que é amar tanto alguém, a ponto de não querer que ela cresça em um mundo que iria odiá-la só porque uma camisinha foi mal fabricada! E apesar disso, eu ainda quero ter um filho um dia, porque meu amor não acabou naquele dia.

    Arregalei os olhos surpresa. Depois de meses, Nataly falou algo sobre aquela noite. Mesmo carregando tudo aquilo em si, ela ainda tinha espaço para amar outras pessoas...

    — Você vai fazer isso comigo, nem que eu precise te empurrar do morro sem uma asa-delta — falou enquanto me puxava para a tenda de aluguel.

    Depois de alguns minutos os instrutores nos prepararam e estávamos prontos para decolar. Íamos em aparelhos diferentes, o que não fazia muito sentido, já que era ela quem queria fazer aquilo comigo.

    Respirei fundo, vendo o quão alto estávamos. Esperava que aquela coisa não estivesse com defeito, senão eu viraria patê de Ana.

    Planar sobre as árvores em direção a praia foi uma experiência que eu não imaginava. As pessoas eram apenas minúsculas figuras lá embaixo, quase insignificantes perante um lugar tão grande. Olhando toda aquela imensidão de cima e sentindo o vento gelado em meu rosto, alguma coisa dentro de mim mudou. O mar se estendia infinitamente pelo horizonte enquanto o pôr do sol lançava tons alaranjados pelo céu. Aquela era a cena mais linda que eu já presenciara.

    Então eu finalmente entendi. Nataly não estava fazendo aquilo por ela; estava fazendo por mim. Eu precisava de algo que agitasse meu interior e me despertasse do torpor que estava sentindo. Era aquilo... Todos aqueles detalhes divinos me lembrando que o mundo é vasto e somos apenas grãos de área tentando agarrar-se à praia. O universo é tão grande que não fazia sentido nós termos apenas uma pessoa para amar.

    Eu sei que nunca esqueceria Lucas, ele foi extremamente especial para mim, mas era hora de parar de viver no automático e voltar a ser eu mesma. Se algum dia nós nos encontrássemos, seria maravilhoso, mas como Nataly disse, poderia ser daqui vários anos.

    Quando meus pés tocaram a areia morna, um sorriso enorme se formava em meu rosto. Eu tinha me reencontrado.

    Agradeci o instrutor e cheguei mais perto das ondas, apenas para que elas molhassem meus pés. Fiquei olhando para o céu, aproveitando os últimos raios coloridos, enquanto a noite ia tomando forma.

    — Ana? — Nataly chegou devagar e ficou ao meu lado.

    Olhei para ela com os olhos marejados de felicidade e a abracei com força.

    — Obrigada — sussurrei —, por ser a melhor amiga que alguém poderia ter. E se você tentar se matar novamente, eu faço questão de te reviver e matar com minhas próprias mãos.

    — Fico feliz que tenha voltado — Ela fungou —, estava sentindo sua falta.

    Nos viramos para o horizonte e ficamos de mãos dadas, esperando as estrelas começarem a brilhar.

    Um tumulto começou a acontecer há alguns metros de nós. Parecia que iam montar uma fogueira ali. Fomos verificar e descobrimos que seria um luau.

     — Vocês podem ficar e curtir, se quiserem, será ótimo ter garotas bonitas por aqui — O rapaz piscou para nós.

    Nataly imediatamente ligou para a mãe, que deixou - um pouco relutante - ficarmos lá um tempo. Mas tínhamos que voltar até às 2h, o que me deixou surpresa vindo dela. Ela lançou algumas mensagens antes de voltar a atenção para mim.

    — Hoje, minha querida — Nataly pegou minhas mãos e me tirou —, você celebrará a vida e sua nova descoberta.

    Eu e Nataly resolvemos beber enquanto ainda tinham poucas pessoas ali. Depois de uma hora o luau estava pronto, com uma grande fogueira, uma mesa de DJ portátil e uma mesa improvisada cheia de bebidas e alguns aperitivos. Um grupo grande de pessoas chegou logo em seguida, deixando sacos plásticos perto da mesa e se reunindo em volta do fogo.

    — Ana! — Alguém gritou ao longe.

    Nat pegou meu copo antes que eu pudesse reagir. Olhei para trás, a fim de ver a pessoa que me chamava e soltei um grito, enquanto corria em sua direção.

    — Eu não acredito! — gritei de felicidade e o abracei com força, quase nos derrubando no chão.

    — I'm back, bitch! — Rafa gritou e pulou de felicidade junto comigo.

    — Como... Como você encontrou a gente aqui? — perguntei quando íamos em direção a fogueira.

    — Mandei mensagem para a Nataly, falando que ia vir passar uns dias aqui, queria fazer surpresa - ele riu. - Então ela me falou que vocês iam fazer essa viagem, achei uma boa. Cheguei faz pouco tempo.

    — Ai minha nossa! — abri a boca surpresa e feliz - Acho que ainda não caiu a ficha.

    — Gostou da surpresa? — Nat riu entregando meu copo e dando outro para Rafa.

    — Sua megera, me enganou direitinho! — fiz careta.

    — O posto de megera é seu, sou apenas uma aprendiz — piscou para mim.

    — Já adorei — Rafa passou o braço pelos ombros dela e lhe deu um beijo na bochecha.

    Uma Música eletrônica começou a tocar e as pessoas ficaram agitadas. Eu, Rafa e Nataly dançamos juntos durante horas, apenas sentindo as batidas e apreciando aquele momento. Era a hora de celebrar minha autodescoberta.

Rostos BorradosOnde histórias criam vida. Descubra agora