Descobri que Caio tinha quebrado uma costela naquele dia. Por mim. E eu só descobri alguns dias depois, quando encontrei a mãe dele no supermercado. Elena era uma mulher muito simpática, falava extremamente baixo e às vezes se encolhia quando alguém falava em um tom grosseiro por perto. Não a culpo, com o marido que arranjou fico surpresa dela ainda sair para algum lugar.
— Você está horrível! — exclamei entrando no quarto do hospital.
— Muito obrigado — Caio ironizou. — Vejo que seu rosto ainda está machucado. Ah... não... Me desculpe, é só a sua cara mesmo.
Coloquei o cartão de melhoras em cima da mesinha ao lado da cama e olhei para ele. Logo meu sorriso se apagou, vendo o quão machucado ele estava. Seu olho direito e a bochecha esquerda ainda inchados, seus nós dos dedos vermelhos e com leves casquinhas começando a surgir, e não dava para ver, mas sabia que tinham envolvido seu tronco com ataduras, assim como fizeram comigo. Peguei sua mão e coloquei entre as minhas.
— Sinto muito, K — comecei a falar com a voz embargada.
— Ei! — Ele chamou minha atenção — Você não tem que se desculpar, aquele maluco queria machucar você, e quem sabe o que aconteceria se você estivesse sozinha. Sorte que aquele seu amigo chegou.
— É verdade... — ponderei. — Obrigada por ter ficado ao meu lado e lutado por mim. Aliás, estou te devendo uma explicação, não é?
— Só se você quiser me contar — Ele deu de ombros e fez careta de dor — Se não quiser, tudo bem, eu entendo.
— Eu sei que você é confiável. Afinal, você quase morreu para me salvar — lancei um sorriso de gratidão para ele.
Sentei ao seu lado na cama hospitalar e lhe contei tudo. Despejei todas as informações que eu tinha guardado. Ele merecia saber o porquê tinha apanhado tanto junto comigo. Seu rosto era pura preocupação e descrença ao descobrir todos meus segredos. Depois contei sobre Lucas e como acabamos ficando juntos. Seu rosto, antes sério e preocupado, ficou triste e um pouco sombrio quando terminei de falar.
— Aquele cara vai quebrar seu coração, Ana — Ele falou de forma dura.
— Depois de tudo que eu te conte você vai se prender a esse detalhe?! — arregalei os olhos e fiquei irritada. — Você por acaso entendeu alguma coisa do que eu disse?
— Só estou dizendo — revirou os olhos. — E sobre o problema com sua avó: se aquele foi só um aviso, então tem coisa vindo pela frente. Ela é perigosa e conhece gente muito perigosa também, vai ser fácil encontrar um jeito de te calar.
— Pensei a mesma coisa. Meu pai disse que vai conversar com uns amigos da polícia, para saber o que podemos fazer — Ainda segurava sua mão, tentando passar uma segurança que eu não tinha.
— Ana... — ele ensaiou algumas palavras. — Não quero perder você.
— Eu estou bem aqui, e não pretendo ir a lugar algum — sorri, brincalhona. — Além do mais, eu sou vaso ruim, e você sabe que vasos assim não quebram. Lucas me inscreveu em umas aulas de defesa pessoal, talvez me ajude um pouco na próxima vez.
— Cara... Me assusta você dizer tão naturalmente que vai ter uma próxima vez — Ele arregala os olhos. - Eu estou acostumado com meu padrasto me batendo, mas nem por isso essa briga doeu menos.
— Falando no diabo — tentei mudar de assunto um pouco —, por que sua mãe não larga ele?
— Você tem alguma ideia do que aconteceria com ela se simplesmente largasse ele? O cara é maluco, Ana - balançou a cabeça consternado. — Ele pode muito bem matar a gente. Eu posso aguentar ser saco de pancadas dele, se isso significar manter minha família segura.
— Vocês nunca cogitaram a possibilidade de chamar a polícia? Esse cara é perigoso.
— E por que você não fala com a polícia também? — Ele falou, irritado. — Aquele dia você mentiu. Por que não contou a verdade para eles, Ana? Me diga!
— Ela pode matar todos vocês! — disparei, também irritada. — Se ela descobrir que eu a dedurei, quem sofre são vocês!
— É mesmo? — cruzou os braços.
— Eu estou tentando proteger vocês daq... — E foi aí que me atingiu, eu estava fazendo a mesma coisa que ele. — Eu estou falando exatamente o que você está fazendo com sua família, não é?
— Essa demorou - ele debochou.
— Acredito que não tem uma saída fácil — falei pegando em sua mão —, estamos todos ferrados de todos os lados.
— Eu realmente não sei o que fazer — Ele acariciou minha mão —, mas saiba que eu e os meninos estaremos de olho para que nada de ruim aconteça. Você é como da família para mim e eu vou te proteger custe o que custar.
— Quem diria que uma toalha emprestada nos conduziria para essa situação — ri sem humor.
— Eu não mudaria nada — Ele disse e eu o encarei. — Você foi a melhor coisa que me aconteceu nesses últimos dias.
Fiquei presa naquele momento, com um misto de sentimentos. Se não fosse por ele, eu já não estaria aqui. Nossa amizade era recente, mas aquele tipo de laço dificilmente se encontra por aí. O abracei com força e logo soltei quando ele deu uma arfada de dor, percebendo que eu tinha esquecido de seus machucados.
— Você não vai parar de falar comigo agora que está saindo com aquele cara, vai? — perguntou cabisbaixo.
— Claro que não! — exclamei indignada. — Perdeu um parafuso? Você é importante para mim, se Lucas não consegue lidar com isso, então que ele vá procurar outra pessoa.
— Por isso gosto de você — Ele declarou com um sorriso vitorioso. — Você nunca seria daquelas garotas que deixam o homem ditar regras no relacionamento.
Fiquei ali a tarde toda, jogando conversa fora e o atualizando das coisas do colégio, até que Elena chegou e foi minha deixa para ir embora.
Na saída do hospital recebi uma ligação, era Nataly pedindo para eu passar em uma loja de bebidas. Já sabia o que isso implicaria: mais uma festa com adolescentes bêbados. Revirei os olhos e suspirei profundamente. Minha noite romântica com minha banheira teria que esperar.
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Rostos Borrados
RomanceJá imaginou não conhecer a si mesmo? Rostos borrados, desconhecidos amigos, nenhum traço. Ana é uma garota sem rosto. E todos a sua volta também. Em meio a multidão desfocada, um amor da infância ressurge em sua vida depois de seis anos. Será que el...