15 de Junho de 2016

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A rotina nesses dois dias em Dhaka foi a mesma de Lubartów e Neratovice: passávamos a maior parte do tempo dentro da casa — dessa vez hotel —, saíamos quando era extremamente necessário e passávamos o dia desejando a noite e a noite querendo o dia. O dia que não seríamos fugitivos.

Era por volta de três horas da tarde quando eu vi a necessidade de sairmos um pouco. Não estava aguentando mais ficar entre quatro paredes me sentindo inútil quando podia estar conhecendo a cidade aonde estávamos, ainda que tivesse que ser escondido.

Chamei os três pra virem comigo, mas apenas Wanda aceitou. Natasha estava ocupada limpando as armas e Sam disse que tentaria dormir, já que depois do almoço era o único horário que o corpo dele ficava mais mole por causa do fuso horário.

Estava calor, mas ainda assim, saímos com um casaco fino e óculos escuros. É claro que eu não podia abandonar meu boné.

Me perdi de Wanda três vezes. O fluxo era muito intenso na cidade, de uma forma que nós não estávamos acostumados e a gente acabava se desgarrando e levava quase dez minutos pra nos vermos de novo.

— Essa cidade é caótica!

Por causa disso, resolvemos ir pra uma área mais afastada das pessoas. Lá conseguíamos andar lado a lado, na mesma calçada e sem precisar agarrar um no braço do outro pra não ser levado pela correnteza.

Wanda parou um pouco para contemplar um anel do lado de fora da vitrine e ficou ali, namorando-o. Ela era a pessoa que mais tinha anel que eu conhecia e mesmo assim queria mais. Queria muito dizer a ela pra levar, pra agrada-la, mas eu não podia e essa incapacidade me matava lentamente, todo dia.

Ela ainda olhava a peça quando eu senti o chão tremer. Wanda não estava atenta, mas eu estava. Logo em seguida vieram gritos e eu me alarmei. Isso não era normal.

E sem mais nem menos, veio o barulho ensurdecedor de alguma construção caindo e os gritos cessaram, provavelmente abafados pelo estrondo. Foi só nessa hora que percebi que estava correndo.

Quando eu virei a esquina, vi o que tinha acontecido: um prédio inteiro tinha desabado. Inteiro. Com pessoas dentro.

Meu Deus do céu.

Esqueci tudo a minha volta e comecei a pensar no que poderia fazer e em como faria. Só sabia que eu não podia deixar as pessoas morrerem sufocadas ou asfixiadas no meio dos escombros, isso não. 

Me aproximei correndo o mais perto que pude e fui com cuidado depois, porque já tinha chegado perto de algumas pessoas que foram atingidas. Era muita poeira que subia com a fumaça, impedindo a minha visão completa, o que dificultava minha ajuda. Tirei o óculos e a blusa de frio e tampei meu nariz e a boca, como se fosse uma máscara.

Fui pros arredores da construção e ajudei algumas pessoas a levantarem, vítimas do tremor da queda só por estarem perto ou passando na rua. A maioria cheia de poeira, algumas ainda com sangue, mas nada grave. O problema era no meio do concreto.

Eu não olhava a minha volta, eu só queria fazer o que conseguisse o mais rápido que pudesse. Nada mais tinha minha atenção. Eu estava no modo Capitão, ainda que eu não me considerasse como tal.

Depois que a fumaça diminuiu bem pouco, eu me aventurei a aproximar mais. A estratégia era simples: não subir diretamente sobre os escombros e procurar as vigas e colunas de sustentação. Tirar é que seria o problema.

Levantei um pouco a primeira viga que achei, esperando que ninguém olhasse demais ou se perguntasse como eu fazia isso.

Uma senhora estava embaixo, se apoiando no que deveria ser uma parede, assustada, com o rosto branco de poeira e sangue.

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