Pagina12 - Perseguido IV

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 O dia seguinte começou estranho, como se eu tivesse tomado um porre da noite anterior. Pela manhã ao sair de casa para ir ao trabalho, na qual eu nem sempre trabalhava cedo, um sereno caía do céu, pequenas gotículas de orvalho que despencavam deixando o clima quente da cidade refrescante. O sol não aquecia muito pela manhã, mas aquilo era sinal de dia quente, nuvens baixas são em dias quentes, aprendi a observar isso em Aurora do Norte, era como se a natureza fosse mais expressiva, dava para saber sobre o clima do dia observando a forma como o dia iniciaria. A blusa de moletom vermelha seria útil pela manhã, mas não durante o dia, coloquei as mãos nos bolsos como de costume e me encapuzei. Como não era de habito ir trabalhar aos sábados tão cedo, minha mãe que trabalhava todos os dias no horário matutino não costumava preparar o café da manhã, assim como ela odiava fazer o jantar, eu sempre dava um jeito, sabia me virar. O portão fez o seu rangido após fecha-lo. Dona Olga, uma velha senhora residente, nossa vizinha, colocava sempre o lixo de manhã, durante o início dos sábados, mamãe as vezes colocava o lixo para fora quando saía para o trabalho, mas hoje nossa lixeira estava vazia.

 — Bom dia querido — disse ela docemente com um sorriso banguela.

 — Bom dia, dona Olga

 Ela parou por uns instantes enquanto eu rodava a chave no trinco do portão. Segurei na grade e o balancei conferindo que o mesmo estava trancafiado. Ela se aproximou em passos lentos, tocou meu ombro com suas mãos enrugadas e pequenas demonstrando as vaidosas unhas rosas peroladas, a olhei confuso e então ela fez um sinal para que eu levasse minha orelha até seu lábio onde ela cochichou:

 — Sabe de quem é aquele carro? — perguntou e eu me virei sorrateiramente observando um veículo de lataria acinzentada estacionado do outro lado da rua — Chegou aqui ontem à noite com aquela mulher que veio aqui... Eram dois carros, esse ficou.

 — Não, eu não sei. — Balbuciei limpando a garganta de alguma secura que se instalou ali.

 Ela riu com os olhos verdes, sua fofoca estava feita, abanou a mão em sinal de despedida, mas não disse nada exceto seu sorriso e seguiu manca e capenga até sua casa ao lado. Observei o veículo, não era possível ver se havia alguém dentro, os vidros eram escuros fume, engoli seco sentindo um certo desconforto. Se dona Olga não tivesse dito nada, eu pensaria que seria o carro de um vizinho qualquer.

 Comecei a caminhar em passos largos e o carro me seguiu lentamente, pensei em correr e voltar para casa, mas segui firme com medo indo para o trabalho, ao chegar o carro ficou parado do outro lado da rua do restaurante. Entendi que estava sendo observado observando o automóvel do lado de fora do restaurante através da enorme vidraça, na qual era possível ver tudo o que acontecia do lado externo com precisão durante o dia. Em dado momento um homem totalmente careca e mal encarado saiu do carro e entrou no restaurante, ele usava um óculo escuro na testa, era esguio e magro, usava um colete jeans por cima de sua camisa de mangas curta, no colete a logotipo de um cão selvagem estourando uma corrente de seu pescoço. Nitidamente membro dos Coiotes.

 Apoiado sob o balcão, levei um tempo para ir atende-lo fitando o carro, esperando que mais alguém descesse do mesmo. Não era um costume que eu trabalhasse aos sábados, mas durante a semana troquei minha folga com um outro funcionário chamado Jonathan, ele precisava fazer uma prova para a única faculdade que havia em Aurora do Norte. Penso que eu poderia retomar os estudos, mas não há faculdade para o curso de Medicina Veterinária na qual eu estacionei no sexto bimestre. Havia poucas ofertas de estudo facultativo na cidade, e o estudo mais valorizado por aqui era algo voltado ao comercio e varejo já que a cidade tinha muitos comércios, e tudo que envolvia o agronegócio da cidade, embora houvesse poucas fazendas. Tirei a caneta que estava atrás da orelha e caminhei com o pequeno bloco de anotações até a mesa do estranho mal encarado, parte de mim já estava fulo da vida, odiei a ideia de ser vigiado.

 — O que quer?

 — Há, eu vou querer.... — disse ele olhando para baixo alisando sua blusa amassada — Um duplo x burguer, e....

 — Não, o que você quer, por que estão me vigiando?

 O homem ergueu o olhar para mim, tirou os óculos escuro da testa, deu um leve riso exibindo um único dente de ouro, sua orelha um pequeno brinco de argola, agora o homem parecia assustadoramente vil, ergueu a sobrancelha preta arqueadas com uma expressão de escárnio

 — Ordens da patroa.

 — Pilar?

 Ele apenas acenou com a cabeça positivamente uma vez e estalou a língua como se sugasse a sua própria saliva rapidamente.

 — Agora me traz meu pedido estou cheio de fome — resmungou — e também um suco... Não, um suco não, uma cerveja.

Crônicas da Noite - A Ordem da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora