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 Quando meu corpo foi lançado ao chão, despertei, atônito e confuso, a noite ainda perdurava, mas já estava próxima do fim com o nascer do dia, precipitava do céu escuro um orvalho denso e fino, causando uma densa nevoa branca no horizonte, fui invadido pelo cheiro de terra molhada, sentia a gramínea gélida pinicar as mãos e parte de meu rosto, escutava a relutância de Benjamin, o choramingar de Pilar, e burburinho de todos ali. Demorei um tempo a abrir os olhos e quando abri, queria fechar de novo para esquecer a visão horrenda que vira. Caleb estava caído em minha frente, em um estado anóxico, seus olhos vidrados como se tivesse sido congelado, e uma cavidade de um projétil no centro de sua testa por onde um fio espesso de sangue se escorria, presumo que minha mãe havia sido encontrada da mesma forma, no mesmo estado, com os olhos tão vidrados quanto os de Caleb, meus olhos marejaram-se, e me ergui assustado. Todos estavam rendidos com homens engravatados em suas costas de mãos amarradas. Pilar tinha olhos de ódio sobre Clayton que orquestrava uma cena catastrófica, me pegou pelo colarinho me colocando de joelhos para Benjamin, em seguida dei uma olhada a minha volta, e Aurélio empunhava uma arma com um cano silenciador, na qual ajeitou na cintura e se prontificou a pegar uma caixinha de madeira que estava dentro de um dos carros. Naquele momento tive a certeza de que foi ele quem matou minha mãe, senti uma onda de raiva me invadir e senti tanto ódio quanto os olhos com veias avermelhadas e marejados de Pilar ponderando sobre Clayton naquele momento.

— Sabe, eu sabia que essa seringa seria útil — falou Aurélio com um riso macabro nos lábios.

Clayton pegou a seringa de dentro da caixinha de madeira preta aberta por Aurélio e a olhou levantando no alto, como uma pedra de grande preciosidade demonstrando seu apreço e fascino pelo objeto, os dois homens ergueram Benjamin que estava um tanto suspenso me olhando com olhos furiosos enquanto sua boca estava amordaçada por uma corda. Clayton tirou a mordaça da boca de Benji que não dissera nada.

— Diga me Adriel, já viu um lobisomem em sua primeira transformação na noite de lua cheia? — deu um peteleco na seringa com os dedos - Vai ser lindo ver Benjamin matando alguém que ele marcou, imagina você jurar lealdade eterna a alguém e devorar esse alguém. Poético e romântico, não acha?

— Eu vou com você, por favor deixe eles... — implorei com um ganido de medo.

— Agora eu não te quero, você não me serve de nada, não sabe usar seus dons, tem cheiro de vira-lata. — Rebateu e se aproximou de Benji — vou matar todos eles, e vou deixar com que Benji cuide de você para mim.

— Não! — Gritou Benji em relutância enquanto a agulha da seringa era inserida em seu pescoço.

— Se eu fosse você já começava a correr. — Disse Clayton com um sorriso estampado. — Geralmente lobisomens descontrolados não atacam seus semelhantes.

Me levantei cautelosamente observando Benji que caía sobre o chão de gramado e começou a se debater, como se algo maior quisesse sair para fora de seu corpo, enquanto gania dolorosamente, ergueu a cabeça me lançando um olhar frenético, seus olhos me olharam com as pupilas dilatadas, como os olhos de um felino no escuro, logo era possível ouvir seus ossos se estalarem dentro da carne. Eu estava horrorizado, dei alguns passos me afastando e no mesmo instante em que tudo acontecia, Don, deu uma cabeçada no homem que o segurava, e avançou para cima de Aurélio que assistia Benji se transformar contra a vontade em uma enorme fera feroz com um enorme olhar de fascino. Me virei e corri o mais longe, escutei um burburinho e gritos de um confronto em minhas costas, mas tomado pelo desespero não me retomei a olhar para ver o que estava ocorrendo. Havia uma pequena descida íngreme da qual não vi, e um piso em falso me fez rolar o pequeno declive de grama, mas levantei, escutando um único uivo e extenso, desatando a corre na bruma do amanhecer mata a dentro, galhos fino se arbustos e arvore me espancavam brutalmente enquanto me imbuia para dentro do bosque sem rumo ou destino fugindo de Benji, que vinha correndo atrás de mim em sua forma bestial e selvagem, podia escutar seus passos pesados, seus pulos entre as arvores e suas bufadas arfadas correndo atrás de mim. Eu dava trombadas e cambaleava pelas raízes elevadas de arvores sobre a terra de folhas seca e úmidas, na bruma da mata meus olhos mal enxergavam os passos desesperados em busca de uma saída ou forma de me livrar de Benji.

Não podia me espreitar, muito menos achar um lago ou um rio, se é que daria certo, ele estava sendo guiado pelo seu próprio cheiro em mim, dado momento fui pego pela fadiga, meus passos rápidos se reduziram. Coloquei as mãos sob as pernas feito um atleta exaurido da corrida, pensei ter despistando-o mesmo sabendo que era impossível. Houve barulhos de galhos quebrando a minha volta, um rosnado, ele estava se espreitando entre as moitas e as arvores me cercando. Ameaço retomar a correr, mas Benji salta em minha direção, com seus olhos brilhantes e seus dentes a mostra, enrugando o focinho chato de poucos pelos, - é ainda mais assustador de perto -, sua pata de garra afiada passa sob meu bíceps, é como a lâmina quente mais afiada rasgando, não só minha blusa, mas também a pele me fazendo cambalear ferido, meu grito ecoa pela mata e das copas das arvores pássaros adormecidos se assustam despertos a uma revoada. A sua forma horrível, um cão de pouca pelagem, enorme, tão grande que chega a ser impossível escapar.

Ele uiva em minha frente, enquanto me arrasto pelo chão o olhando em seus olhos ferozes após a queda brusca causada pela sua patada, sinto o peso de meu corpo sabendo que não tem por onde fugir, ele abre sua mandíbula de arcada dentárias assustadoras, uma única abocanhada ele arrancaria minha cabeça me desmembrava por completo. Me encolhi após encostar as costas no tronco grosseiro de uma aroeira silvestre. Meus olhos estavam cheios de água, e não importa o quão eu pedisse ele não parava, se preparando para o bote, quando tentou morder minha cabeça consegui esquivar para o lado escutando seu focinho bater no tronco da arvore quebrando a casca rígida da mesma, estiquei a mãos como forma de defesa e encostei a mesma em sua pele viçosa e lisa como a da barriga de um porco.

— Benji, por favor não faz isso! — falei com a voz embargada de medo e choro.

Crônicas da Noite - A Ordem da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora