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Eu moro em um bairro residencial classe média chamado Vila dos Anjos, é um dos lugares ainda mais mórbidos da cidade, isso por que é formado por vizinhos longevos. Os únicos moradores novos, — e quando digo novos estou falando em idade —, somos eu e minha mãe, então não há como fazer amizade com pessoas velhas, não há nada em comum entre eu e os velhos rabugentos de 60 anos, o que nos torna exilados no bairro, afinal eu mesmo não sou o tipo de pessoa que tem paciência com aqueles de mais idades, odeio repetir palavras, e as vezes tarefa simples como saudações para algum vizinho se torna algo difícil pois teria de repetir aquela mesma fala mais de cinco vezes pois seus aparelhos auditivos já não salientava mais a audição para uma congratulação, já para uma boa fofoca... Os velhos escutavam até mesmo através das paredes, já não era de se impressionar. A casa era pequena, havia um portão de ferro, um estacionamento a céu aberto para um único carro, um pequeno jardim de gramas queimadas pelo sol do verão, na calçada um enorme salgueiro chorão com raízes que rachavam o concreto. O portão social e estreito quando aberto ecoava um rangido agudo e fino anunciando a chegada de qualquer um que o cruzasse, mas com a chuva era impossível escutar o som do portão, e não faria diferença alguma, exceto caso eu estivesse sozinho em casa que interpretava o som como um alarme de segurança, e toda vez que o mesmo rangia eu espiava pela janela para ver quem havia aberto o mesmo e sempre era minha mãe chegando do trabalho.

Ao cruzar a porta de entrada, minha mãe estava sentada na poltrona velha e verde musgo, na pequena e aconchegante sala, segurava nas mãos um livro, não qualquer livro, um bem especifico: O Alquimista de Paulo Coelho, eu já havia lido esse livro e ela já havia lido aquele livro centenas de vezes, embora uma obra curiosa, nada ali me atraía de fato, eu era cético quanto coisas que vão além do que os olhos podem ver. Ela se espantou como se não soubesse que chegaria molhado, como se não escutasse o som da chuva gritante do lado externo da casa. Se ao menos ela estivesse preocupada teria pego seu carro, um velho Volkswagen, na garagem e rodado a cidade em busca de mim. Ela retirou seus óculos de leitura gatinho pertos e colocou junto a seu livro na mesa de descanso ao seu lado.

 — Querido tomou chuva? Oh meu deus! — disse ela em tom de espanto forçado.

 Eu apenas a olhei, com ódio de saber o quão eu não era importante para ela tal como queria ser. Eu podia ter morrido, podia ter morrido tantas vezes como da vez em que fui assaltado em outra cidade e ela só saberia no dia seguinte, talvez fosse até mesmo um alivio para ela não me ter por perto. Subi as escadas correndo.

 — Vai molhar toda a casa! — gritou ela.

 Era com isso que ela se preocupava de fato. Com a casa. Bati a porta do banheiro, onde tomei um banho choroso pelo desespero de quase ter sido espancado na rua a troco de nada. Sim era o que os homens ruins faziam. Eu estava enfurecido, não pela chuva, mas pelas consequências da solidão. Mesmo que eu não me importasse em ter amigos mais, as vezes penso que seria bom ter alguém para andar em meu encalço já que minha mãe não era a mãe mais presente do mundo. Queria de fato odiá-la, mas eu a amava na mesma medida de meu ódio que logo era momentâneo e passava.

Crônicas da Noite - A Ordem da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora