Pagina 7 - Colisão II

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 Alice estava apoiada numa mesa, tinha os cabelos em cachos abertos escuros e apoiava o queixo em sua mão não muito delicadas de dedos cumpridos e longos com as unhas curtas, mas pintadas de esmalte preto cremoso, nem sempre ela estava de unhas pintadas, mas quando estava evitava o trabalho e ela evitou o dia todo. Segurava nas mãos um artigo de caça, ela e o marido adoravam aquilo, uma vez ela me disse que ambos gostavam de treinar e que seu marido em questão era um cozinheiro e ex-militar muito bom em tutelar ela, caça era algo permitido na cidade, mas poucos praticavam, havia áreas para isso e animais da qual podiam ou não caçar, para mim algo irreal e inútil. Na televisão que ela prestava mais atenção do que na revista aberta sob a mesa era transmitido as notícias locais, a chuva de ontem que se intensificou durante a madrugada toda causando alagamentos, quedas de arvores e alguns outros desastres naturais.

 — Merda, passou isso o dia todo. Ninguém parece estar preparado para as chuvas de verão, por isso prefiro o inverno - reclamou ela, em seguida desligou a televisão no controle.

 — Ainda bem, essa chuva aliviou o nosso trabalho de hoje, sabe como aqui é nas sextas feiras —  disse Joel da cozinha

 — Nem me diga — retruquei jogando o pano de prato na bancada.

 — Viu Otto? Precisava falar com ele - perguntou Alice — Preciso de uma grana adiantada

 Eu era o mais novo, aquele emprego foi me concedido pois Otto era grande amigo de minha mãe. Alice já era casada com Joel e ambos trabalhavam juntos há longos anos para Otto. Joel era um homem parrudo de meia idade, tinha um bigode em formato de lua semelhante ao bigode de Otto, diferenciavam-se pela cor, Otto um velho grisalho e Joel estava chegando quase lá ainda havia uma cobertura de fios castanhos-avermelhados. Naquele instante a porta do restaurante se abriu e entrou um cliente que estava com chapéu na cabeça que escondia parcialmente o rosto, regata aos trapos, e uma calça jeans surrada.

 —  Por Deus, esse povo não entende que fechamos as dez? — reclamou Alice em um sussurro. — Entram aqui faltando três minutos para fecharmos e ficam aqui durante uma hora.

 — Deixa que eu atendo, vai lá falar com Otto. — falei.

 Segui até o balcão de atendimento, o homem sentou do outro lado, de forma distraída, ele lia um jornal, mas percebeu minha presença e sem tirar os olhos das folhas cinzentas disse:

 — Quero só um café para a viagem, expresso duplo —  Falou ele com a voz grave e baixa por trás do chapéu.

 — Certo. —  falei indo rumo a máquina de café.

 — Sem muito açúcar. — Acrescentou

 O cheiro forte de café pairou sobre o ar. Me questiono quem toma café a essa hora da noite. Depois de pronto, escorreguei pelo balcão o copo descartável feito de isopor com o café expresso duplo sem açúcar.

 — Café expresso saindo — disse eu

 Ele pareceu não notar ou não se importar, ainda com os olhos colado no jornal durante alguns longos segundo, presumo que a notícia fosse deveras interessante. Retirei o pano de prato dos ombros e comecei a passar o mesmo sobre a bancada esperando que ele retirasse seu braço apoiado e pegasse logo o seu pedido o quão antes para que todos ali pudessem sair felizes sem fazer hora extra sem remuneração, mas o homem não se tocou, esperei uns segundo e então me aproximei e toquei sua mão.

  — Senhor... O café. — E no instante que as pontas dos meus dedos quase tocaram as costas de sua mão, ele rapidamente por reflexo, segurou minha mão para que eu não o tocasse — Ah merda! Sangue! Sangue... — Falei aos berros tentando tapar os olhos.

 Ele se assustou ao me ver gritar assustado e caí para trás em pânico, o homem ergueu dando um solavanco fitando-me com olhos vigilantes. Eu havia visto em flashes que se alternava à minha realidade e outra realidade coberta de vísceras e sangue, foi como uma lembrança, uma sensação nojenta de pânico. Era como se todos aqueles restos mortais tivessem surgido em minha frente, uma breve alucinação em fleches.

 Me debati tentando me livrar daquela cena, com as mãos na face, de modo com que quisesse arrancar meus próprios olhos, ou meu próprio cérebro.

 — Que merda é você?! —  perguntou ele se levantando ainda mais e espiando-me caído no chão em um ataque.

Crônicas da Noite - A Ordem da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora