Página 24 - O Clube VI

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 Pessoas transitavam pela rua, algumas sentadas nos acentos das mesinhas entorno do food truck, estava calor naquele fim de tarde, Benji permanecia com o desnudo tronco viril à mostra, e algumas mocinhas e mocinhos se oiriçavam assanhados de maneira curiosas para olhar para ele como se ele fosse uma celebridade. Conversamos sobre algumas coisas que não tivesse muito haver com o atual momento que estávamos vivendo. Sobre Benji ele aprendeu a dirigir a pouco tempo e por isso consegui uma explicação óbvia em seu fascino em dirigir com uma mão só. Descobri que os lobisomens demoram um pouco mais para envelhecer, por conta do processo de regeneração de células, mas não são imortais. Benji tinha 29 anos, e foi estranhamente gentil em nossas conversas bobas. Mantive o meu anseio em saber mais sobre os lobisomens, não queria ser invasivo ou ficar perguntando de mais, ele também parecia levemente desconfortável em falar sobre aquilo em um lugar público com pessoas circulando, acredito que eu já havia sido chato o suficiente.

 —  E seu pai? — Indagou ele após alguns longos minutos silenciosos

 — Abandonou minha mãe gravida, e o seu?

 — Acho que é a meta de todos os pais, abandonar os filhos até mesmo quando ainda não nasceram — disse ele enquanto mastigava o seu lanche.

 Dei um leve riso em um conforto inenarrável em saber que tínhamos algo em comum. Ele estava com tanta fome que após devorar o seu lanche olhou para o meu que estava pela metade e apontou o mesmo.

— Ainda vai comer?

— Hããã... Não pode pegar — empurrei o prato na mesinha em sua direção.

 Ele ficou meio acanhado, já havia comido dois lanches inteiros enquanto eu ainda estava no meu primeiro inacabado. Eu estava sem fome, não fazia questão alguma, ele pegou delicadamente a beirada do prato arrastando mais para perto de si enquanto eu assistia a cena. Eu estava confortável, estava satisfeito mesmo sabendo que ele quase foi meu captor no início do dia, mas agora o via como um novo amigo estranho. Talvez eu fosse carente de mais a ponto de perdoar meu captor mais de pressa do que qualquer outra pessoa, ou fosse meu tamanho fascino por toda aquela história de lobisomens.

 O clube era na própria garagem-bar e estava cheio de pessoas, Benji me dissera que nem todos que frequentavam o clube eram lobisomens, mas há uma maneira de diferenciar os lobisomens dos humanos pelo colete, o colete jeans é dos membros dos clubes, que no caso pertencem à Matilha. E os que usam colete de couro, humanos que são frequentadores (eles consideram como membros para que os mesmos continuem a frequentar o local), o clube é um negócio entanto, entretanto a descrição dos lobisomens são a base mais importante. Benji se enturmou com outros rapazes na mesa de bilhar, o som estava tão alto que mal podia entender o que tocava naquela cacofonia incessante de música, vozes, risadas e gritos. Todos ali perpetuavam um nicho, como se gostassem das mesmas coisas, e de fato gostavam, pareciam abomináveis, ou gostavam de ter uma aparência viril e selvagem, mesclando suas vestimentas de mau gosto com suas expressões de mal humor.

 Eu nunca havia ido em um clube antes, nem em um bar. Parte de mim estava com um enorme desdenho, mas eu não queria demonstrar isso, não queria parecer um alguém abobalhado ou arrogante de mais. Me sentei na banqueta do balcão onde estava Cora secando copos, enquanto outra garota, de cabelos castanhos avermelhados e longo com maquiagens escuras como a de Cora lavava a louça. Escorreguei lentamente sua adaga sob o balcão de madeira crua e branca não envernizada. E ela pegou a adaga com um sorriso grande e colocou o copo na bancada em minha frente.

 — Oi! Valeu — disse empolgada — Vai beber o quê?

 — Nada não. — Disse e ela me olhou surpresa.

 Trocou o copo comum por um copo pequeno de dose. Ela lançou o pano de prato branco com bordado vermelho no ombro e se virou pegando uma garrafa de liquido azul junto de outras garrafas de líquidos coloridos, derramou sob o copo enquanto me olhava.

 — Como foi? — perguntou indicando Benji com o queixo

—  Até que foi divertido — disse o olhando por cima dos ombros.

— Ele é um bom homem só é meio cabreiro, não gosta muito de pessoas que o subestime, é complicado — ela ateou fogo na bebida com o seu isqueiro bacana, abafou com a mão e virou de uma vez e repetiu o processo só que dessa vez entregou o copo em minhas mãos — Beba.

Observei a chama azul do copo. Hesitei por alguns segundos com medo de me queimar e a olhei com olhos cautelosos.

—  É assim mesmo não queima. —  Acrescentou ela.

 Não tive chance de fazer a recusa novamente, virei o copo com a chamas após abafar o liquido quente dentro com a mão, não era ruim, também não era bom, desceu ardente rasgando a garganta. Fiz uma careta enrugando a cara toda e ela riu.

 —  Sei que vai parecer estranho... —  debruçou-se sobre o balcão para se aproximar — Será que poderia usar seus dons para um favor?

 — Mas eu não sei usar.

 —  Você pode tentar... No Don.

 Ambos de nós olhamos para Don do outro lado do bar na mesa de bilhar. Ele estava com os cabelos longos e castanhos ainda mais claros que os de Benji, recaídos sob os ombros, passou a mão em seu cavanhaque denso e tinha em cada um dos dedos anéis moldurados com caveiras ou lisos. Ele era grande, mas não maior que Benji, segurava o taco apoiando o queixo no mesmo analisando sua próxima jogada, olhou para nós com seus olhos castanhos e balançou a cabeça com um sorriso de aceno positivo de cumprimento, fazendo com que eu rapidamente desviasse o olhar de forma confusa.

 —  Ele não iria gostar, por que quer isso?

 —  Tem uma cadela no cio —  falou com escárnio indicando uma moça que dançava do outro lado do salão entre os homens que à assistia — Ela é de outra Matilha, mas tem vindo aqui quase em todas as festas. Vi ele cochichando com ela dia desses.

 —  Ah, agora entendi.

 —  Essa filha da puta está me tirando do sério, quero saber se ele está comendo essa fodida. — falou se erguendo da inclinação que fazia para falar comigo de trás do balcão —  Consegue ver algo?

 —  Posso tentar nela.

 Ela bateu uma mão na outra empolgada com um sorriso largo nos lábios de gloss brilhosos.

 — É disso que estou falando! — pegou uma garrafa de bebida e colocou na bancada — Vai lá garoto...

Crônicas da Noite - A Ordem da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora