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  Cora retornou com mais tecidos, e uma maleta pequena de curativos, uma bacia com água carregada por Don. Saí de perto de Benji, e fiquei observando um pouco mais distante de certo modo satisfeito por ele estar ferido. Cora abriu a maleta de curativos, na maleta havia algodões, gaze, uma agulha curva, um vidrinho com liquido que presumo ser álcool, antisséptico e diversas cartelas de comprimidos. Nada ali parecia adiantar exceto a agulha.

 — Está perdendo muito sangue precisamos dar um jeito de parar isso. — Resmungou Cora olhando para Benji — Acho que devemos cauterizar.

 — Eu odeio ser queimado com aquele maçarico, e demora muito mais para sumir a cicatriz — rebateu irritado

 Revirei os olhos. Eu não queria ajudar, mas eu iria tentar.

 — Me dê a agulha curvada, e fio de náilon fino, se não tiver pode ser uma linha comum que seja um pouco mais resistente que uma linha de costura, mas se não tiver nada posso tentar com a linha comum. — falei e Cora me encarou desconfiada.

 Me aproximei da caixa de curativos pegando a agulha curvada. Peguei também o vidrinho de álcool, não era a forma mais correta de esterilização, mas ia servir.

 — Falta só a linha. — disse erguendo a agulha

 — O que vai fazer? — perguntou Cora

 — Costurar ele. Pretendia o quê? Queima-lo com um maçarico mesmo?

 Eu sabia que ir ao médico estava fora de cogitação. Suturei sua pele que era tão quente, como um cobertor de dias frios, costurei em 12 pontos grandes, se a cicatrização era rápida como diz, no outro dia talvez devesse tirar os pontos. Cora observava sinuosamente o último ponto que eu dera com a agulha, não só ela, Don espiava logo atrás como se estivessem aprendendo, eu nunca havia costurado uma pele humana, tampouco a dos animais, mas assistia cirurgias em animais e na época da faculdade treinei em algumas peles sintéticas de porcos, a pele de humana era mais espessa do que eu imaginava, porém facilmente perfurante, diferente da sintética. Benji comia um pedaço de pão velho com que Don o trouxera enquanto eu executava a tarefa, ele dera resmungos nos primeiros furos ao passar a agulha em sua pele unindo o tecido e fechando o corte do ferimento. O sangue parou de escorrer, limpei o ferimento e o sangue que escorreu pelo seu braço, suas costas e seu peitoral largo.

 — Onde aprendeu isso? — Perguntou Don e eu pensava se devia responder

 O olhei enquanto fazia pequenas compressas de gaze para os ferimentos de arranhões menores. Segurei o rosto de Benji pelo queixo, ele não pereceu gostar, ficou me encarando, mas logo desmanchou a cara feia enquanto eu passava de modo sutil o algodão embebedado de álcool sob o ferimento de sua bochecha e orelha, limpando o ferimento de modo atencioso.

 — Três anos de faculdade abandonados. Medicina veterinária, nunca pensei que me seria útil a ponto de costurar alguém. — Dei uma pausa — Trabalhei por uns meses em uma clínica veterinária era estagio.

 — De fato, você me parece mais útil do que eu imaginava — disse Don cruzando os braços e torcendo os lábios fazendo um bico surpreso.

 — Então todos vocês são monstros? — pergunto guardando as coisas na maleta.

 — Hispo — disse Don com um riso. — Ou Crinos de quatro patas — cutucou Cora com o cotovelo como se fosse uma piada interna e ela tossiu um riso.

 — Quê? O que isso?

 — Lobisomens — resmungou Benji — É o que somos, lobisomens.

 — Aquilo? Eu pensava que andavam sob duas patas e tinham rabos, que eram esguios e com focinhos longos coberto de pelos — dei um leve riso — Transformando-se em noites de lua cheia ou algo assim.

 — Coisa de filme menino— disse Don —. Isso aqui não é ficção.

 — É já percebi que não — falei o encarando — Prontinho.

 Dei três batidinhas no ombro não ferido de Benji, ele olhou o ombro costurado e os curativos com um certo desdenho, movimentou o braço sutilmente testando seu ombro novo. Torceu do mesmo modo que Don o lábio inferior, balançando a cabeça impressionado.

 — Nada mal. — disse ele.

 — Então, e você? Verdade que você lê mentes? — perguntou Cora. — E dá ordens que os outros obedecem?

 Cora riu cruzou os braços e olhou para Don que pareceu não gostar daquela brincadeira, fechou a cara e ficou nitidamente incomodado depois passou a mão sob seu cavanhaque denso, e nas costeletas que iam até as bochechas disfarçando, subiu as mãos até seus cabelos grandes que estavam presos num coque bagunçado, me encarou por alguns segundos enquanto prendia os fios soltos com o elástico.

Crônicas da Noite - A Ordem da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora