A imagem que ele via de si mesmo no espelho era de arrepiar.
Desde quando ele tinha ficado tão desfalcado? Desde quando começara a definhar debaixo do próprio nariz e nem perceber o que estava acontecendo? Deu um sorriso irônico ao lembrar-se da própria vida. Como não definhar se não tinha ninguém no mundo por ele? Como conseguir continuar com uma vida normal se nem dentro da própria casa ele tinha a tão falada paz que todos comentavam na rua? Como ele poderia ser feliz se seus pais não paravam de brigar entre si e, constantemente, o colocava no meio das brigas alegando coisas dolorosas sobre ele?
Não. Não tinha como não definhar. Seria pedir demais.
A briga no andar de baixo era tão alta que ele duvidava muito que os vizinhos não estivessem ouvindo. Rolou os olhos para a sua desgraça pessoal. Tudo parecia tão monótono dentro daquela casa. Ele estava cansado de viver ali. Queria tanto morrer de uma vez. E olha que só tinha dezenove anos e mesmo com a pouca idade, não suportava mais os chiliques dos pais.
A voz de sua mãe berrava fina com o homem de voz trovejosa que era o seu pai. Ambos discutiam por, mais uma vez, o homem chegar com marcas de batom no pescoço, deixando explícita a traição cometida.
Marcius Cresswell era um maníaco sexual, isso era fato para Ethan. Mas o problema era que Anabell Cresswell não pedia o divórcio e aguentava toda e qualquer falcatrua do marido. Deixava tudo à mercê de sua paixão inexplicável por aquele bandido. Sim, Ethan Cresswell considerava seu pai como um bandido. Um bandido sem alma que vaga na Terra apenas para ocupar espaço. Se Marcius Cresswell tivesse algum vestígio de bondade dentro do coração, o mundo iria cair em dois segundos.
Ele, infelizmente, tinha provado da ruindade do pai quando ele o feriu com uma adaga em meio ao braço, abaixo do pulso. Além de xingá-lo dos piores nomes que se pode xingar alguém, o ferira fisicamente deixando a cicatriz em seu braço como uma lembrança de seu surto violento. Anabell Cresswell também sofria os abusos morais e sexuais impostos pelo homem, mas mesmo assim se fazia de cachorro sem dono deixando-o domá-la e fazer dela o que bem entendesse.
Ethan tinha tantos atritos com sua mãe por causa disso. Ela não suportava que Eth reclamasse de seu pai para ela e também apanharia se dissesse a palavra "divórcio" na mesma frase onde estivesse ela e o marido sádico. "Não preciso passar por essa humilhação por conta de dois idiotas que dizem que se amam, mas se matam dentro de casa", pensou o garoto.
A briga se tornava mais audível à medida que os pais se aproximavam do corredor passadas fortes e duras.
- Onde está aquele garoto imbecil?! - perguntou a voz grossa de seu pai. - Amanhã começa a porra da aula e ele não pode faltar.
- VOLTE AQUI AGORA! EU AINDA NÃO ACABEI! - a voz de sua mãe o irritava às vezes, principalmente quando insistia algum diálogo com aquele filho da puta. - SE VOCÊ QUER UMA RELAÇÃO LIBERAL, EU SAIO PELA MERDA DAQUELA PORTA E DOU PRO PRIMEIRO QUE APARECER. FIQUE AVISADO.
E então um som de tapa se ouviu em meio à discussão. Ethan sentiu seu coração apertar tanto que chegou doer dentro do peito. Ele odiava ouvir o pai batendo em sua mãe. Mas ela merecia, quem sabe parava de ser idiota e o mandava para o inferno.
Saiu do pequeno banheiro que tinha dentro de seu quarto e passou a trinca na chave com calma e silêncio. Não queria que Marcius viesse lhe importunar, justamente quando estava tão violento e covarde. Não precisava do pai para lembrá-lo que o dia seguinte teria o primeiro dia de aula e o inferno se tornasse ainda pior. Se Ethan vivia um inferno dentro de casa, na escola não era diferente. Ninguém conversava com ele. Ninguém sequer encostava onde ele estava. Se a sala de aula não fosse tão pequena e ignorante, as pessoas deixariam ele sozinho na fileira e se enfurnariam em outro lugar, mas quanto mais distância daquele garoto estranho e perturbado, melhor.
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Just Like Animals
RomanceEthan Cresswell é um garoto cheio de problemas. Dentro de sua aura obscura e totalmente irreversível, esconde-se um coração marcado por dor, abusos e sofrimento. As drogas eram a única forma que ele tinha para encontrar a felicidade que nunca lhe ha...