XXV (Parte II). A História Nunca Revelada

7.4K 539 177
                                    

Anabell bebericou o chá mais uma vez antes de respirar fundo e encarar Breeze com os olhos murchos e nervosos. A garota entendia com perfeição o que a mulher estava sentindo e não a culpava ou reprimia. Era um assunto delicado do qual, muito aparentemente, era a primeira vez que Anabell falava abertamente. Era como um livro fechado há muito tempo que, ao se abrir, poderia ser encontrada muita poeira e provavelmente folhas manchadas. A vida de Anabell certamente não era muito diferente desta lógica.

- Eu não sei o que falar para iniciar tudo. Talvez eu deva começar do zero. - Breeze assentiu dando forças para a mulher que não parava de respirar fundo. - Eu nasci aqui nessa cidade e saí apenas para morar na Flórida, mas logo depois voltei para cá. - ela tinha os olhos baixos, as íris movidas num sentimento nostálgico. - Meus pais não eram ricos, mas viviam mudando de casa com a intenção de "ajustar a família". Terminei a escola corretamente e fiz faculdade de contabilidade, me especializando em serviços de alta confiança dentro dos negócios. Você entende? Um entra e sai de dinheiro que é preciso ter muita responsabilidade. - Breeze assentiu. - Mas é um emprego difícil e concorrido e muitas vezes eu ficava para trás, pois muitas pessoas tinham mais atrativos que eu. Falavam outros idiomas, muitos vinham de outras cidades com muito mais capacitação de estudos, enfim... - ela suspirou. - Eu conseguia um emprego e outro, mas sempre tinha que procurar mais do que eu conseguia achar. Então resolvi que poderia trabalhar no meio da hotelaria com algo que se precisa muito: uma faz tudo.

- Então você começou a trabalhar num hotel fazendo os serviços que lhe ofereciam, seja lá qual fosse? - Breeze perguntou buscando captar cada detalhe.

- Serviços dentro da cozinha, arrumar os quartos para receber os hóspedes e auxiliar nas horas de refeição. No hotel em que eu trabalhava naquela época, o restaurante era o grande atrativo, então pessoas de fora também vinham para tomar o desjejum, almoçar ou jantar. Era uma loucura e meu serviço era sempre bem-vindo por ali. Foi o emprego que mais perdurou para mim, pois fiquei lá por seis anos e ainda recebia muito bem por isso. E foi lá que... - ela fechou a expressão, o rosto se contorcendo em uma careta desgostosa. - Foi lá que conheci Marcius Cresswell, pai de Ethan.

Era nítida a expressão de medo que passou a tomar conta do rosto da mulher, tirando a expressão normal que ela tinha quando comentava sobre sua vida no trabalho e o início de sua história. Era como se a simples menção do nome de Marcius fosse o suficiente para fazê-la tremer na base e repensar sobre sua aceitação em contar tudo o que havia decidido contar. Breeze assentiu, a expressão serena para acalmar a mulher.

- E Marcius? Quem ele era? - perguntou à mulher que despertou de uma nostalgia ruim, mas logo tratou de falar, a voz mais baixa.

- Um dos donos de uma grande empresa imobiliária. - os olhos da mulher estavam opacos e sem brilho. Algumas vezes a mulher abraçava os próprios braços como se sentisse uma sombra fria tomar conta de seu corpo. - Se hospedou por lá no período em que estava fechando um grande negócio com os proprietários de um prédio recém-construído no centro da cidade ao qual a empresa administraria a parte imobiliária. Fora isso, estava tudo certo.

A mulher parou de repente de falar enquanto sua expressão estava distante, provavelmente mergulhada nas lembranças das quais Breeze não sabia se esperava o pior ou o pior do pior. Era algo difícil de esperar sentada ou calada.

- E então? - a menina insistiu e Anabell voltou os olhos para ela.

- Chegou o dia em que eu precisava arrumar os quartos deles. Eram clientes renomados que o hotel exigia que fizéssemos o máximo possível para deixa-los à vontade. Fui designada a arrumar o quarto de Marcius e... - ela fez uma careta. - Ele apareceu no quarto antes que eu terminasse de trocar os lençóis da cama por panos limpos. - Breeze sentiu o coração fechar em nervoso e o medo passou a tomar conta de suas veias. Talvez aquela história poderia ficar muito pior quando Anabell começasse a desabafar sobre as agressões que sofria. - Ele me surpreendeu grandemente quando se desfez de seu material de trabalho e passou a me ajudar a dobrar os lençóis. Acho que nunca fiquei tão constrangida em toda a vida.

Just Like AnimalsOnde histórias criam vida. Descubra agora