XXVI. Um Pedido de Conforto

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Os ferimentos em seu corpo forte e grande já estavam com um bom grau de melhoria em comparação aos primeiros dias que antecederam a briga infernal com Marcius Cresswell e Ethan não tinha noção do quanto era bom respirar novamente sem ter dificuldade. Do lado de fora, o dia estava escuro e chuvoso enquanto que os carros na rua faziam barulho quando deslizavam pela estrada molhada e encharcada de águas pesadas que caíam do céu. Com o tempo fechado e feio, o frio também estava presente para lhe assolar a pele, fazendo com que a mesma parecesse que estava sendo cortada por facas muito bem amoladas, mas ainda assim não incomodava tanto quanto Ethan imaginava. O frio era algo que ele se identificava e naquela época em que o frio combinava perfeitamente com todo seu drama pessoal, ele não tinha melhor companhia. Mas ainda assim tudo era muito vago, muito vazio, insuportável demais para que ele pudesse superar com facilidade.

O coração por dentro do peito ainda sangrava como se tudo fosse muito recente. O sangue que escorria de sua fonte de vida parecia queimar como o fogo mais ardente enquanto ele tentava bloquear de sua memória qualquer tipo de vestígio da noite em que o pesadelo havia se tornado real e sobre tudo o que ele havia passado nas mãos de seu pai. Já estava cansado de só ter lembranças ruins, poucas coisas boas para se contar, para se debater, para se viver. E no meio desta triste realidade, ainda era mais do que incompreendido pelas pessoas que o julgavam com todas as pedras, com toda a maldade, com toda falação sem motivo sobre seu casulo, sobre sua particularidade.

Mas dentre tudo o que aconteceu, o que mais fez com que ele ficasse mais hesitante com relação a tudo foi que - em meio às dores que sentia enquanto ouvia os gritos de sua mãe sendo violentada sendo que não podia fazer nada - inexplicavelmente e inesperadamente a voz de Breeze passou a preencher seus ouvidos como se a menina estivesse ali escutando tudo do outro lado da porta. Sua vontade era abrir a mesma e conferir se tudo não passava de um sonho, mas as forças estavam quase que nulas e tudo o que ele sentiu foi a inconsciência lhe pegar de uma forma como nunca havia pego. Apenas ficou aleatório à suas dores quando seus olhos se fecharam logo em seguida e só voltou à consciência quando acordou com o maldito sangue lhe tampando o rosto trazendo consigo a angústia.

Não tardou muito a caminhar com dificuldade ao banheiro, onde tratou de lavar o rosto e os braços sujos de sangue, grunhindo e rugindo pela dor ardente que passou a machucar sua pele com demasiada força. Mordeu o lábio inferior enquanto tentava aguentar firme a dor vibrante quando tirou de dentro do armário

E mesmo que seu impulso fora correr atrás de sua mãe, mesmo com a dor infinita no centro de sua cabeça, a voz de Breeze ainda ecoava em sua mente como se a garota estivesse ali naquele momento, lhe gritando, lhe perguntando o que diabos estava acontecendo, que gritaria maldita era aquela da qual ele tentou com tanto custo esconder da menina. Mas antes que pudesse ao menos controlar seus próprios passos, percebeu que seus pés o levavam em direção à mansão de Breeze, a voz assustada da menina ainda ecoando em sua mente. O corte na testa ardia como nunca e parecia que antes que ele chegasse à esquina seguinte, já iria desmaiar em meio à tribulação que era conciliar a caminhada com a indisposição de seu corpo dolorido. Ignorava toda e qualquer pessoa que lhe olhava com os olhos assustados por vê-lo machucado e sem rumo, esbarrando nas pessoas e em tudo quanto era lugar. Foi rude com quem se levantou para tentar ajudar por mais que a sua consciência tivesse ficado bastante pesada logo depois de ver o olhar sem graça de quem foi humano o suficiente para lhe perguntar "o que estava acontecendo". Mas somente teve a respiração aliviada e a calma passando por seu coração quando viu que havia, finalmente, chegado à casa de Breeze e logo estava sendo acudido por um Bobby desesperado que não esperava vê-lo por ali todo arrebentado, caindo.

Já não havia mais vestígios de sangue em seu rosto, mas o corpo pesado e desleixado era o suficiente para que todos pudessem perceber que ele havia levado uma bela de uma surra. Só foi pensar com mais clareza quando mãos suaves passaram a tocar seu rosto e teve uma noção de quando seu corpo foi levado para um lugar seguro quando conseguiu distinguir os olhos azuis de Breeze lhe encarando em meio às lágrimas, em meio todo aquele sofrimento. A única vez em que pensou em ir embora foi quando a menina lhe notificou que teria de leva-lo ao hospital. Hospitais não o agradavam, principalmente quando médicos faziam perguntas e mais perguntas e muitas vezes quando perguntas de agressão não eram respondidas, algo grave poderia acontecer como o envolvimento da polícia, coisa que Ethan não queria perto dele pelo menos por enquanto. Mesmo sendo totalmente contra o silêncio e o sofrimento, não conseguia deixar sua mãe à mercê de qualquer tipo de dor psicológica ou física que ela poderia receber de Marcius. A única alternativa fora confiar em Breeze e deixar que a menina o ajudasse com sua pequena experiência em suturas.

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