BenedettaEstava um dia de sol lindo e aproveitei para convencer meu tio a dar um passeio comigo de canoa no lago à frente da nossa mansão.
Levei meus bichos comigo, um gato, uma cadela e um coelho. Na verdade não eram bem meus, eu os abrigava até que conseguissem uma casa segura onde morar, eram animais de rua, isto é, o cão e o gato, o coelho esteve num lar, mas sofreu maus tratos.
Nossa casa já chegou a ter vinte animais resgatamos e meu tio estava ficando louco, por essa razão não deixava mais, ele exigiu que fosse no máximo três de cada vez e de forma temporária.
Eu era uma apaixonada pelos bichos, todos, de todas as espécies, suas particularidades, amor puro e incondicional, lealdade sem igual. Tanto que tinha convencido meu tio a entrar na faculdade para ser veterinária. Não que fosse algum dia exercer a profissão, mas só o fato de eu poder sair de casa para aprender mais sobre o que amava já me bastava.
Mas eu não tinha só essa paixão, outra das minhas paixões era a música. Fiz vários cursos, desde criança sabia tocar vários instrumentos, meu preferido era o piano.
Quem sabe um dia não faria uma faculdade de música também, mais um diploma só para me distrair da vida que levava e sonhar com uma que não poderia ter.
Se meu futuro marido permitisse, claro, porque era assim que funcionava para um casal da máfia, o marido ditava, a esposa se submetia.
Porque por mais que meu tio fosse flexível e me amasse muito, nem ele poderia me livrar do meu destino. Seria traição e desonra buscar outros caminhos que não fosse me casar com algum dos homens elegíveis do meu mundo.
Falando em meu tio... Ele me ajudou a entrar na canoa, porque com todos os bichos não consegui sozinha, além do mais ele era um cavalheiro.
Eu tocava nas águas esverdeadas do lago enquanto a canoa movia-se lentamente.
As simples coisas da vida me faziam sorrir, como olhar para o céu em qualquer dia, quando estava sol eu achava lindo e em dias chuvosos também.
— Como conseguiu, tio? — Soava estranho chamá-lo assim. Era pouco para o que ele representava para mim. Não que ser tio fosse insignificante, mas ele era o mais próximo que conheci de um pai. — Como se adaptou a um mundo tão diferente do senhor?
— Se você não consegue mudar sua situação tem que fazer o melhor que pode dela.
— Chefiar a máfia não era o que o senhor queria, não é?
— Claro que não, nem me passava pela cabeça. Há sempre riscos nesse mundo, principalmente no nosso, mas nunca pensei na morte do meu irmão tão breve e eu tendo que assumir.
— O senhor fez o que tinha que ser feito, ainda que não combinasse com sua personalidade.
— Assim foi. É disso que se trata o mundo. Temos que fazer o que tem que ser feito. Cada situação requer uma adaptação, somos capazes. O ser humano é capaz de suportar mais coisas do que imagina. Além do mais fui criado para ser um homem da máfia, sou um homem feito. Consegui me livrar do mais pesado por um tempo por ter seu pai à frente, mas quando foi necessário não deixei de cumprir meu dever.
— Nós que nascemos na máfia não podemos fugir dos nossos deveres. Já entendi isso, tio. Assim como a lealdade, está entranhada em nós como parte de nossos órgãos.
— Sim querida, você é muito esperta. Ainda que não temos escolhido onde nascemos e não concordamos com várias situações, mesmo assim temos um sentido de dever e fidelidade com os nossos. E é sobre isso que queria falar contigo.
— Sim, tio, diga.
Ele parecia sem graça quando começou.
— Você e Gian se conhecem desde criança, se dão bem...
— Razoavelmente bem. E por que esse assunto agora?
— Como acabávamos de falar nós temos deveres. Você terá que casar um dia... muito próximo.
— O senhor está...?
— Não estou dizendo que você tem que se casar com ele. De maneira nenhuma. Sempre deixei bem claro que não seria capaz de te obrigar a nada.
— Mas?
— Gostaria que você desse a ele uma chance de te cortejar. Levar para sair, fazer alguns programas juntos, quem sabe não nasce um interesse? Ele é um ótimo partido dentro das nossas opções, vocês têm quase a mesma idade. Não gostaria de vê-la com um velho, ele tem boa aparência, é educado.
Pensei em Gian. Ele era filho do consigliere do meu tio. Assim como todo homem feito era duro e machista. Porém nunca me tratou mal, pelo contrário, não poderia julgá-lo, aquela era a criação que tinha tido, muitas vezes nossos homens confundiam proteção com achar que éramos fracas ou inaptas.
— Ele quem pediu para o senhor falar comigo?
— Sim, ele me pediu autorização para te conhecer melhor, digo, dessa forma.
Claro que ele tinha, para ele eu não passava de uma coisa que não tinha voz própria, era essa sua percepção de uma mulher, se meu tio deixasse estava feito, quem precisava da minha opinião?
— Pense com carinho.
Eu não era burra, sabia que em nosso mundo teria um casamento arranjado, meu tio não estava fazendo por mal, ele só estava arranjando um homem aceitável em meio aos nossos, alguém que ele pensava que combinava comigo.
E, de fato, Gian não era feio, era jovem e faria tudo para me proteger, amor eu sabia que era desejar demais na minha situação, tudo que ele buscava era poder casando com a única herdeira calabresa.
— Certo, tio. Por que não? Vou sair com ele algumas vezes e ver no que vai dar.
Ele tocou na minha mão de forma carinhosa.
— Ótimo, querida.
*
Após um dia lindo com meu tio, no final da manhã mesmo recebi uma ligação de Gian me convidando para uma festa, aceitei porque era um evento beneficente e quanto mais rápido eu convivesse com ele mais cedo saberia se ele servia ou não para mim.
Tivemos contato algumas vezes depois de adultos e ele não foi desagradável, se comportou como qualquer homem da máfia agia diante de uma mulher, com respeito e certa indiferença. Nunca imaginei que tivesse interesse em mim. Talvez fosse só ambição, isso que precisava saber. Não era ruim ter ambição, pelo contrário, mas se fosse só isso não me interessava, pois minha vida ao lado dele seria pior que o previsto.
— Olá, Benedetta. Você está linda! — Ele elogiou ao chegar e me encontrar pronta à sua espera.
— Oi, Gian. Obrigada, você também está muito bem.
— Obrigado por ter aceitado meu convite.
Sorri para ele, que estava elegante e perfumado.
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Dark life
ChickLitNascida num mundo sem leis, a princesa da Ndrangheta (máfia Calabresa), Benedetta Paola Vitali acreditava num futuro de submissão atada a um casamento de conveniência com algum bom partido de sua organização, que era comandada por seu tio Giuseppe V...