A receita certa para o...fracasso, é claro

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Como é de se esperar, depois da conversa que tive com minha mestra Jedi, eu não corri até os braços da minha amante e tive uma noite de prazer sexual com ela no qual eu não sentiria minhas pernas até o outro dia. A realidade foi bem diferente dessa, mas não que tenha sido ruim. Ouvir Jude falar da vida homérica dela, menos na parte na qual eu comecei a me comparar com ela e me sentir um lixo que não vivia a vida. Minha vontade foi de sair correndo e praticar os mais diversos absurdos que um ser humano pode fazer, porém me contive a ouvir seus diversos ensinamentos de vida até a hora de que eu fosse embora. Claro, ela pediu para que um carro me levasse até em casa e eu me senti como uma verdadeira princesa, e entendi porque as garotas todas caem aos pés dela. 

Ela é bonita, engraçada, tem um papo bastante desenvolvido, ou seja, se você tiver a oportunidade de conversar a noite toda com ela é certeza de que será a noite toda de um papo muito legal, sem contar que ela é bastante cavalheira, mas de um jeito educado, não com segundas intenções. Claro que minha chegada triunfal em um veículo que não fosse o ônibus quase sempre atrasado que deixava um rastro de fumaça na hora que desço causou certo rebuliço entre meus irmãos mais interessados na minha vida pessoal, já que os mais velhos estavam mais ocupados em cometer um duplo homicídio entre si.

— Vitória, qual é a resposta dessa questão?

— Letra...E?

Ela me olha desconfiada, e concorda.

— Muito bem, é essa mesmo.

Não é toda vez que eu tenho essa sorte na vida, mas sério, essas aulas são tão chatas que a minha única vontade é sair daqui correndo para nunca mais voltar. Se bem que a ideia de fuga anda passando na minha cabeça por tantas vezes...deve ser um sinal que eu quero fugir de mim e não sei como. Deve ser por isso que as pessoas bebem tanto.

Agora olha a cara dessa desgraçada aqui do meu lado. Ela é tão serena, com essa expressão sempre neutra que eu já falei pra ela "Cris, você mataria alguém e continuaria com essa expressão", e sabe o que ela me respondeu? "Deus me livre e guarde dessas coisas, Vitória" e se benzeu. A única preocupação dessa pessoa é se ela está tocando direito – que é o que faz sempre – e só. Sério, não consigo pensar em outra coisa.

Ah, claro que tem, isso soou até escroto da minha parte. Só tem uma coisa que abala essa expressão inabalável que se chama: mamães. Seria até um sonho pensar que ela não sofreu preconceito na vida, principalmente com relação a ela ser fruto de uma relação homossexual. Se parar pra pensar que hoje as coisas já são complicadas em parte, imagine a uns vinte anos atrás, por aí. Admiro muito as tias por isso, porque até onde eu saiba, a Cris já ouviu tudo que é tipo de pergunta indiscreta e direta, além de inúmeros comentários maldosos e preconceito escancarado. Talvez ela tenha essa pose séria pra evitar que as pessoas se aproximem justamente por isso. Ela falou que era pior no ensino fundamental, mas agora estava mais tranquilo. Não que isso deixasse de abalá-la de algum jeito. Se fosse comigo, eu só choraria porque é isso que eu sei fazer.

"Vitória, você está de recuperação em física." Eu choro, e levo três horas de esporro dos meus pais e irmãos. "Vitória do time inimigo". Isso me faz chorar de raiva. "Essa fanfic não é atualizada há mais de dois anos". Daí eu já choro de desgosto.

— Vic, vem almoçar em casa hoje? – Ana diz animada – As senhoritas mandaram te chamar.

— Nossa, com certeza – respondo mais animada ainda, não só por passar mais um tempo com minha amiga, mas também porque a comida lá na casa dela sempre é uma maravilha – Algum evento especial?

— Não, nada demais – ela responde sem pretensão, indo ao meu lado.

Caminhamos até sua casa, já que o clima está agradável o suficiente para andarmos sem sermos derrotadas pelo calor. Assim que chegamos, já se pode sentir o cheiro maravilhoso de comida vindo da cozinha. Com certeza é Hai Yun que está cozinhando – hábito que ela diz ter pego da sua mãe, uma senhora distinta que nunca conheci – e ainda bem, porque ela faz pratos maravilhosos enquanto a Amanda, bem...Ela se esforça.

— Meninas, já chegaram? – ela diz limpando as mãos. Ana vai até ela e a abraça firmemente. Que drogas, elas são muitos fofas, e muito parecidas, isso é bizarro. Eu não pareço tanto com meus pais assim, será que isso é um sinal de que meus pais verdadeiros virão me buscar e falar que eu tenho que tomar conta de um reino? Depois de tudo isso que anda acontecendo na minha vida, eu não vou me surpreender com mais nada então sim, estou pronta para a responsabilidade.

— A mãe vem pro almoço? – Cris pergunta assim que rouba alguma coisa que não consigo identificar, mas parece um bolinho branco, da mesa.

— Ela já está chegando – ela responde dando um sorriso cordial – Só teve um pequeno contratempo no caminho.

— Certo – ela olha ao redor – a senhora quer ajuda em alguma coisa?

— Não, não – Hai Yun gesticula em sua direção – se quiser ir pro quarto...Amanda chama vocês quando chegar.

Assentimos e vamos para o quarto dela. Basicamente, o mesmo de sempre: ouvir algumas músicas que ela descobriu e eu reclamar sobre alguma coisa da nossa escola, assim como o descontentamento geral. Não tenho o que dizer sobre Sofia ou qualquer outra coisa porque simplesmente não aconteceu mais nada desde nosso último encontro, e não quero a perturbar com isso.

— Olha, Vic – ela se deita ao meu lado, mostrando um vídeo no telefone – gravaram nós três tocando aquela música. Vê se você gosta mais com a Naju tocando.

Ah, claro, Naju, a perfeita, a maravilhosa, que eu não posso negar que toca muito bem, mas não consigo ir com a cara dessa garota. Sim, a música está perfeita, nem tenho o que negar, mesmo eu procurando defeito pra colocar nela, eu não achei, a não ser essas olhadas que elas dão entre si depois, mas se bem que elas olham pro Alberto depois, então...Vitória, você já está vendo coisa onde não tem de novo, se acalma.

— Está perfeito, Cris – concordo com ela – eu mal vejo a hora de ver isso no dia do concerto.

— Eu estou bem nervosa em relação a isso... – ela pressiona os lábios – quer dizer – e solta o ar – eu tento não parecer, mas quanto mais vejo que está perto, mais tensa eu fico.

— Nem precisa – rio descompromissada – você sempre dá o seu melhor, e nesse dia, você vai ser perfeita.

— Como a Natalie Portman em Cisne Negro*? - ela diz rindo, e eu nego em seguida.

— Não, sem todo aquele extremismo, por favor – só com a mesma beleza e talento da atriz, com certeza.

Uma batida ecoa na porta. Já sabemos que é a Amanda.

— Posso entrar?

— Claro, mãe – por mais que Cris fale sempre a mesma coisa, elas sempre perguntam, é incrível. Se fosse em casa, já tinham entrado a muito tempo, e por isso sempre me veem em situações constrangedoras que são melhores nem serem lembradas.

— Oi, Vic – ela acena pra mim animada, ainda com aquela roupa formal que faz com que eu me censure meus pensamentos no mínimo umas cinco vezes para poder agir como uma pessoa normal – e aí, vamos almoçar?

— Sim, só estava esperando a senhora – ela responde e nos levantamos.

Só que, assim que chegamos na sala, vemos uma pessoa diferente, com roupas parecidas sido tiradas de algum episódio de verão de alguma série. Ela conversa fervorosa com Hai Yun, que sorri tão abertamente de uma forma que pouco vi, se bem que acho que nunca vi. Quando ela nos nota, ela aponta pra pessoa, que vira.

E, bem, sabe aquilo de que eu estava pronta pra qualquer coisa? É, eu menti, pra isso eu não estava nem um pouco. E claro, a minha reação foi a menos sutil possível, mesmo que ela tenha tentado disfarçar o máximo possível assim que me viu.

Do jeito que a vi, eu só fui procurando um lugar pra me sentar, quase sem ar. Em que momento minha vida tinha se tornado essa comédia romântica de mau gosto?

— Judite... – Hai Yun diz séria ao lado dela, que está com os óculos escuros levantados enquanto Cris olha para tudo tão confusa quanto parece ser – pode explicar o que você aprontou agora?


*Poderia falar sobre a referência, mas como não quero estragar a experiência de quem não assistiu, vou deixar do jeito que está se a pessoa tiver interesse e não tomar algum spoiler. Quem já assistiu, captou o que a Cris quis dizer.

Minha vida (não) tão chataOnde histórias criam vida. Descubra agora