Por que não posso tocar isso?

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Eu cresci fechada, porque amar apenas me machucou no passado, mas amar você é um bom problema de se ter... "Talvez meus problemas aos quais você sequer perguntou?" as palavras de Marceline ressoavam em minha mente no mesmo momento. "Por que eu sou um problema pra você?" as minhas próprias palavras vinham em seguida, daí a Marceline continua cantando: — E estou acostumada com aquilo, mas poderia me acostumar com isso sim, mas poderia me acostumar com isso... daí a Bonnie palestrinha começa a falar do cortisol que é um hormônio do estresse, não sei o que, termina falando que é assim mesmo como ela se sente. E termina o capítulo, você tá gostando? Daqui as coisas começam a melhorar, mas também não tanto, rola mais algumas outras...

É claro que ela não vai te responder, Vitória, ela está em coma, mas nunca se sabe, vai que acontece que nem nos filmes que a pessoa acorda do nada e te responde...

Essa é a minha vida, agora de cabeça pra baixo. A minha rotina que antes era de tarde acaloradas e amores confusos se resumiu a dividir os cuidados com a Cecília. Praticamente, só fica eu e a Isabela trocando os turnos de repará-la.

Cris tinha razão ao falar que sua madrinha não aguentaria a culpa pelo ocorrido. Desde que aconteceu o que aconteceu, não a vi mais, e nem ninguém. Saio da escola e venho pra cá, ou só almoço e venho e fico até a hora da Isabela vir. A propósito, ela está péssima e nem consegue esconder isso, porém totalmente plausível. Ela nunca dá certo com ninguém, e quando aparece alguém que vai fazer diferente, fica nessa condição. Não há psicológico que aguente. O de uma não aguentou.

Ela não faz nada. Só é o barulho das máquinas e do respirador, enquanto seus olhos fechados e sua pele pálida jazem na cama. Eu sempre leio minhas fics preferidas pra ela, converso, seguro sua mão, coloco pra tocar alguma música que ela goste, toco em todos os seus dedos, seu braço, qualquer coisa na expectativa que ela reaja, abra os olhos, tire os aparelho e peça por um baseado.

Isabela, pelo contrário, passa horas aqui, sentada, encarando-a sem dizer nada. É como se ela se recusasse a acreditar no que está vendo, e provavelmente não acredita mesmo.

Mas a pergunta que ressoa na minha cabeça é de, se ela melhorar, quem vai ficar com ela? Pelo que eu entendi, ela não tem ninguém além da Judite, e essa já perdeu a tutela dela. Ela vai ficar sozinha? Como ela vai ficar sozinha? Até diriam que melhor só do que mal acompanhado, e que foi justamente isso que a trouxe pra cá, mas...ela vai ter que voltar a ser internada porque não tem ninguém? Depois de finalmente conseguir sair?

Toda vez que a vejo assim, com os olhos fechados, parecem que todos meus problemas dos quais tanto reclamei a ela somem. Me arrependo de não ter dito alguma coisa que preste, ou ter ouvido mais de sua vida, mas eu me apego na ideia de que logo ela vai acordar e falar "caralho, eu saio por uns dias e você ainda não se resolveu?".

— A Isabela disse que quando você sair daqui – seguro sua mão, balançando de um lado para o outro com aquele pregador no dedo dela – não sei o nome disso – vai fazer uma festa com tudo que você gosta, já te falei isso? Falou que chama até as strippers se você quiser, mas que quer te ver sorrindo de novo, mas daí eu pensei como vou ficar em um lugar com a Cris e a Sofia? Será que eu ia lidar direito com isso? Tenho certeza que você – aponto pra ela – ia rir disso e usar como inspiração em alguma história.

Bip. Bip. Bip.

— Os meninos disseram que vão te chamar pra compor a mesa de RPG, mesmo que você seja apelona em criar um personagem bom porque você trabalha com isso, e acho que você seria uma excelente barda, sério, já até pensei nisso.

Triiim, iiiu, bip...

— Eu acho que ela ainda está se culpando muito – passo a unha curta devagar sobre a dela – por isso não está aqui contigo. Espero que minha companhia não seja ruim, mesmo não sendo a Jude ou a Isa...a Amanda todo os dias reza por ti, sabia? Ela tem muita fé, essas coisas de cristão que se ajoelha na frente da cruz e reza até as coisas darem certo. É, eu não sou muito ligada nessas coisas, acho que sou agnóstica. Não deixo de acreditar, mas também não acredito em algo fixo...você acredita? Até hoje não sei disso.

Minha vida (não) tão chataOnde histórias criam vida. Descubra agora