A.C.W.S.

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Para quem não me conhece, me chamo Ana Cristina, sobrenome Wang Silva.

Normalmente, quando perguntam sobre você, a resposta se constitui basicamente em pontos como a idade, a formação, o que gosta de fazer e por aí vai, mas para conhecer alguém de fato, você precisa saber a história dela, e não se sabe a história de ninguém sabendo o que ela gosta de comer ou o seu signo. No máximo, vai julgar a pessoa superficialmente entre boa ou ruim.

Só que minha história começa antes mesmo de eu nascer. Começa no momento em que minhas mães se conhecem.

Ah, é, isso mesmo: eu tenho duas mães. Não, não como se minha mãe e minha avó tivessem me criado e eu as chamasse de mães, eu tenho duas mães mesmo, conforme registro civil em uma época em que sequer pensavam nisso.

Amanda é a filha mais nova de um casal. Nasceu e cresceu em uma zona periférica e, apesar da origem humilde, é uma família bastante amorosa desde sua formação. Pela situação em que viviam, tanto Amanda quanto o irmão começaram a trabalhar desde jovens, só que eles desejavam algo melhor pra caçula. Uma vida diferente pra uma menina tão inteligente como ela e, por intermédio do destino, sorte e muita fé conseguiu o feito de entrar em um curso preparatório para a universidade e agarrou a oportunidade como pôde.

E é nesse momento que entra um nome que pode soar um pouco estranho: Hai Yun Wang. Imigrou com os pais da China ainda criança com a promessa de trabalho que tinha nessas terras. Deu certo: sua mãe era professora bilíngue, afinal falava português tão bem quanto sua língua materna e seu pai era um vendedor que logo alçou o sonho de ter o próprio negócio. Por conta disso, tinha uma vida confortável. No entanto, ter bens não significava felicidade. Yong, seu pai, era extremamente autoritário e rígido, afinal era um homem tradicional que queria manter a todo custo sua família no contexto do que achava perfeito. Resultado: brigas que resultavam em discussões acaloradas que se desenrolavam em agressões, e Hai Yun era o maior foco destas.

Talvez tenha sido daí o começo do seu fim, que eclodiu quando ela foi coagida a fazer um cursinho preparatório para entrar na universidade e ser alguém na vida em vez de querer fazer Artes Plásticas. Orgulho é uma questão séria, e para eles era ainda mais.

Isso é o que eu ouço, e o resto é como tocante história de amor: se apaixonaram, estilo aquela paixão aterradora que você não consegue se conter quando ela está lá. Mas, foi aquilo, não foi de primeira assim mesmo com as intensas trocas de olhares. Hai Yun se prontificou de ajudar Amanda com o material que ela não tinha porque elas sentavam próximas uma da outra, acabaram se aproximando e o resto é história.

Quer dizer, isso se a história levar em consideração que minha mãe foi internada por mais de uma vez ter tentado se matar. Ah, é, ela tinha um quadro de depressão bem grave em uma época que achavam que isso era frescura – muito mais do que acham hoje em dia. E claro, sem esquecer da homofobia, racismo e xenofobia que não é uma coisa de agora, mas não é algo a se chocar. Ainda vai aparecer muito por aqui.

Amanda se torna uma universitária e se dedica o tempo que tem pra estudar, já que ainda trabalhava e não tinha nenhuma bolsa. Hai Yun, apesar de estar melhor, ainda se equilibrava na corda de estabilidade mental e conseguiu ser alocada na Academia de Belas Artes. É aquele momento da história que você já parece ter alcançado suas metas e agora são bem-sucedidas, mas as pessoas se esquecem que se tratam de humanos com defeitos e que discutem.

Não que elas briguem, mas é que Hai Yun tem um temperamento forte, e quanto mais pressionada se sentia, pior seu humor ficava – e fica. Imagine pra ela manter um relacionamento amoroso com alguém achando que é insuficiente? A maioria dos desentendimentos resultava nela desabafando o que achava e Amanda a abraçava com firmeza, e ela chorava, e pronto, tudo resolvido. Não é fácil se manter na linha quando sua mente te trai em quase todas as vezes.

Minha vida (não) tão chataOnde histórias criam vida. Descubra agora