O elenco do Stranger Things, mas de baixo orçamento

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Sabe quando eu digo que tenho sentimentos confusos pela minha melhor amiga? Às vezes me pergunto se isso não vem daquilo que chamam de projeção ou coisa do tipo. Aquilo que você não sabe dizer se quer a pessoa ou se quer ser a pessoa, ou os dois.

Mas claro que, se fosse falar de minha vida, ela não seria pautada só na admiração que tenho na Cris ou nas suas mães. Por exemplo, podemos também focar no fato da minha vida social ser quase nula e se resumir a jogar na casa do Heitor toda quinta-feira.

— Vic, é sua vez de jogar o dado.

— Pronto – sigo satisfeita – acho que agora o mago vai sofrer.

Eu sei que essas coisas de cultura nerd estão mais em evidência agora do que antes, mas isso não passa de status para parecerem desconstruídos ou até mesmo mais inteligentes – coitados daqueles que pensam que só porque assistiram Star Wars são mais cultos que os outros – porque na realidade, quando estamos aqui, todos o tempo todo ficam alegando que somos um bando de fracassados reunidos, e que fazemos isso porque não transamos e que aqui é uma reunião de celibatários.

Infelizmente, não deixa de ser verdade. Começamos da direita para a esquerda: Lucas, esse aí de óculos sério, o mestre da mesa, deve ser o que mais chegou perto de alguém. Já beijou algumas pessoas, e quando eu perguntei se era de meninos ou meninas, ele só fez rir e mudou de assunto. É o garoto a qual sou mais próxima, ele é simplesmente maravilhoso.

Daniel, ou Dan, esse do cabelo tigela fora de moda o qual já insistimos para que ele cortasse, não é um cara feio, só está mal arrumado e com a cara parcialmente oleosa. Só sai de casa para jogar conosco e sua interação com as garotas se presta a dar skin para elas no League of Legends. O Lucas disse que isso deve ser algum tipo de fetiche, e eu não duvido. Tenho quase certeza que ele gasta o dinheiro da pensão que recebe do pai com pack.

Por fim, mas não menos importante, Heitor, ou Hector para os mais próximos, é o incel do grupo. Tem tanto desprezo pelo sexo feminino que ele alega que só tem amizade comigo porque não me vê como uma menina. Falo pra ele que eu não deixo de ser mulher de qualquer forma, e ele só alega que é porque sou diferente de todas. Segundo Lucas, ele tem quase certeza que ele tem uma queda por mim e não admite por conta da minha orientação sexual.

Mas acho que mesmo se eu fosse hetero, bi ou pan, não ficaria com o Hector. Primeiro que ele é estranho de um jeito ruim, segundo que temos opiniões muito divergentes e terceiro porque ele é o reflexo perfeito do seu personagem: mandão e controlador. Por que eu sou amiga de um cara desse? Não sei, ele tem um bom senso de humor às vezes, nunca faltou com respeito conosco e aqui sempre tem boa comida – não que na minha casa não tenha, mas é que na casa dos outros sempre é melhor.

A propósito, é essa bela trupe que vai comigo ver o show da Cris. Deve ser a primeira vez em anos que nós vamos para um lugar que não seja uma convenção ou um encontro de jogadores.

— Vic – Daniel chama minha atenção – vamos mesmo para o negócio, não é? Minha roupa está arrumada desde semana passada.

— Vestes de batalha campal não contam, Dan – Lucas diz com um sorriso de canto, e tanto Heitor quanto eu rimos.

— Claro que vamos, somos convidados especiais.

— Nós ou você? – Daniel levanta uma das sobrancelhas, sugestivo. Abaixo a cabeça quase que imediato.

— Ei, para com isso, Dan – Heitor logo intervém.

— Qual é, Vic – ele me olha rindo ao mesmo tempo que tenta parecer sério – tenho certeza que a Ana também gosta de ti. O Lucas também acha.

Minha vida (não) tão chataOnde histórias criam vida. Descubra agora