Um, dois, três e...vai, Ana Cristina!

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— Hm...sinto te informar, mas essa sua situação está, como eu posso dizer isso sem parecer grosseiro?

— Fodida?

— É, exatamente isso.

O que uma estudante a cinco passos de reprovar em matemática e uma jovem com crise de meia-idade tem em comum? Eu não faço ideia, mas aqui estamos passando um tempo no parque, debaixo dessas frondosas árvores que fornecem sombra nessa tarde incrivelmente quente.

Minhas paranoias não são nada equiparada as dela, meus problemas soam como uma birra de criança perto do que ela fala, mas ainda assim me sinto realmente ouvida. Não que meus amigos não façam isso, eles fazem muito bem, mas acho que o fator experiência conta muito em certos momentos.

E ela tem uma vivência que eu acho que nunca terei em toda a minha vida, provavelmente porque não tenho essa personalidade espirituosa e que chama atenção aonde vai, mas que também é o maior chamariz dos seus problemas, isso sem contar com seu estilo de vida excêntrico que vai desde parar em outro país depois de uma noite de farra a viver por algumas semanas como nômade porque acabou se apaixonando perdidamente por uma hippie – e se desapaixonou por ela na mesma intensidade.

Acho que o que nos une é que ambas estamos dispostas a proporcionar o que cada uma quer, e por isso que quando as coisas realmente pioram eu falo com ela, e não com outra pessoa, e ela sempre está ali ouvindo pacientemente e me dando conselhos em que a cada dez palavras, no mínimo três são palavrões. Provavelmente a convivência, mesmo que pouca, me fez ter um vocabulário no mínimo parecido.

— Mas isso não é o fim do mundo, pequena padawan – ela joga uma pedra no lago, fazendo-a quicar – tudo se resolve, para o bem ou para o mal.

— Se você apostasse em alguma coisa, no que seria?

— Não sei, no que você apostaria? – ela se volta pra mim, e posso ver o suor descendo devagar da sua testa até as maçãs do seu rosto, e eu ali, deitada sem motivação pra nada.

— Que no final eu fico sozinha e solitária.

— Não é um final ruim – ela pega outra pedrinha e atira na água novamente, fazendo o barulho sob a superfície da água – dependendo como se usa esse tempo, claro.

— Eu não sei o que fazer, Jude – coloco minhas mãos no rosto e logo afasto – eu gosto da Sofia e de ficar com ela, eu gosto muito, mas qualquer coisa que essa desgraçada fala me desestabiliza...

— Será que não é por que você espera muito dela?

— Como? – levanto a cabeça para encará-la, mas ela continua de costas para mim.

— Vou te dar um exemplo... – ela se vira pra mim – eu. Para muitas pessoas, eu sou um sinônimo de pessoa bem-sucedida e que sabe viver a vida. Que sou extremamente criativa, visionária, todo tipo de rasgação de seda, mas... – Jude balança a cabeça de um lado pro outro – posso ser até isso, mas também sou insegura, problemática e dependente. Entende o que quero dizer?

— Não – tenho até vergonha do quão estúpida eu pareço às vezes, mas não dá pra controlar, é espontâneo. Jude ri e dá alguns passos em minha direção, pegando um cigarro do bolso. É, estava demorando.

— Uma Jude é pura projeção, a outra é real – ela acende o cigarro e dá uma breve tragada – Ana Cris é uma projeção de pessoa perfeita, e quando ela não supre seus objetivos você se frustra completamente. Já essa Sofia ainda é uma projeção sua, mas você não a reverencia como alguém maior, e sim uma pessoa tão humana quanto você, com erros e defeitos, mas qualidades que te fazem gostar dela. Conseguiu entender agora?

Minha vida (não) tão chataOnde histórias criam vida. Descubra agora