Fogo no parquinho Wang (e Silva)

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Quando chegamos lá, tudo está estranhamente silencioso. Entramos por trás do quintal, pegando acesso ao mezanino e, a lentos passos, nos alocamos no canto. É o lugar onde a Cris costuma ficar quando não quer ser encontrada, colocando seus fones de ouvido que abafam o som de fora e se entretendo com alguma coisa.

— Acho que suas mães saíram – sussurro para ela, afinal não podemos ser vistas naquela situação.

— Não – ela responde em seguida – elas estão conversando no quarto.

Fica o silêncio novamente e escuto murmúrios vindo de algum lugar. Se ela não me falasse, não notaria que era a conversa de alguém. Isso é que dá andar com alguém de audição tão apurada.

Hai Yun sai do quarto delas visivelmente com raiva e Amanda atrás dela, tentando apaziguar sem sucesso.

— Amor – ela diz para a mulher de feição fechada – não adianta nada discutir com ela assim, você precisa se acalmar.

— Amanda – ela fala em um tom sério e incisivo, que me faz até arrepiar a costa – tudo tem limite, e a Judite sempre ultrapassa esse limite e fica por isso mesmo.

— Mas você quer mesmo discutir com a sua melhor amiga?

— Ela se meteu no meu trabalho – ela aponta contra o próprio peito, mostrando ainda mais seu latente desgosto – você viu o que aconteceu, ou melhor, você sabe de tudo.

Amanda pressiona os lábios, respirando fundo, resoluta.

— Ainda acho que – ela coloca as mãos sobre os ombros da sua amada esposa – você precisa respirar um pouco, sabe o quanto isso te faz mal.

Hai Yun respira pausadamente, enquanto tenta acompanhar o ritmo da Amanda. Olho para Cris, que olha para aquela cena sem desviar o olhar.

— A mãe sempre tenta resolver as situações assim – ela aponta com o queixo – na paz e conversa, mas acho que isso não vai adiantar nesse caso.

— Por que você acha isso, Cris? – pergunto, cerrando as sobrancelhas.

— Por causa daquilo – e seu olhar se vira para a porta da casa, onde dá pra ouvir barulho de passos. Elas param e voltam o olhar assim como nós, e quando a porta se abre, como em um filme, Jude entra com estilo ao lado de Isabela.

— Nem fodendo... – digo tentando conter o riso. Não é que a Sofia tinha razão? Não que eu duvidasse porque também imaginava, mas ver é outra coisa ainda mais surreal.

Claro que a sala é abarcada por um silêncio constrangedor. Isabela, de cabeça baixa, aparenta ter sido pega pela própria mãe fazendo algo imperdoável. Já Judite tem esse ar sempre despreocupado, como se não tivesse feito nada e que só estivesse chegando depois de uma volta despretensiosa, o que não combina nem um pouco com as feições de Hai Yun, que, como a Cris já tinha alertado, está pronta para cometer um crime.

— E aí, Hai...

— Fique em silêncio – ela aponta sucinta para a amiga, que levanta as mãos rendida, com um sorriso sarcástico no rosto.

— Hai Yun, eu... – Isabela começa a falar, mas logo também é interrompida pelo gesto daquela que chamou.

— Já disse pra ficarem em silêncio.

Eu nunca tinha visto ela desse jeito. Hai Yun sempre está com aquela feição tão singela no rosto, como se nada pudesse a atingir e continuasse plena, agora tudo isso foi deixado de lado. Só tem a versão pronta para brigar e discutir. Dá pra sentir isso no ar.

Minha vida (não) tão chataOnde histórias criam vida. Descubra agora