O fabuloso desastre de Sofia

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N.A.:

A única coisa que trago nessa nota é: parece até que estavam lendo a minha mente.

E, cuidado, alguns trechos podem querer fazer você pegar os lencinhos. No mais, boa leitura ❤




Não é como se tudo fosse sempre uma merda.

Na verdade, devo ter tido um ou outro momento feliz na minha vida. Talvez na infância, entre aquele espaço de tempo em que minha mãe não estava com algum namorado abusivo ou quando o pai dos meus irmãos não estivesse batendo ou ameaçando a todos nós.

Não gosto de falar sobre minha vida. Ela é um desastre total, e com certeza deixaria a quem ouvisse desconfortável, e dessa sensação já não basta a que eu carrego. Mas, enquanto eu me jogo na cama, com o barulho dos grilos de fundo na casa vazia, não consigo deixar de ser tomada por essa sensação angustiante do peso que minha vida carrega.

Por exemplo, eu já acho que fui um erro desde que nasci. Meu pai me queria, mas minha mãe não, e acabou me tendo. Não demorou, e meu pai morreu. Acidente feio de trabalho, o enterro foi de caixão fechado do tanto que o velho ficou desfigurado. Não lembro de nada dele além das poucas fotos que temos juntos, e é a única coisa que me diz que já tive uma figura paterna.

E tem minha mãe. O que dizer de uma mulher que já perdeu a guarda dos filhos mais de uma vez? Mas o pior disso é que não a julgo. Quer dizer, eu julgo, claro, mas até entendo ela estar do jeito que estar. Você julgaria alguém que não ama a si e deixa toda a sua felicidade nas mãos de qualquer um? Não sei se ela já foi diferente um dia, talvez não, ou talvez gostasse tanto do meu pai que depois que ele se foi ela só depositou toda suas expectativas em qualquer um que quisesse.

Provavelmente foi aí que as coisas começaram a dar errado. Casou com o vagabundo do meu ex padrasto, que me odiava o suficiente pra nem olhar na minha cara, ou a qualquer oportunidade, me diminuir. É claro, eu não era filha dele, e a mulher dele só pertencia a ele, nem mesmo aos filhos que vieram depois.

Quando falo que ele é um doente problemático, pensavam que estava aumentando. A real é que ele não gostava de ninguém, só de si mesmo, e quando alguém colocava isso contra a parede e o indagava, ele sempre respondia com força física, agressão, ameaça, toda essas merdas aí. Minhas lembranças de infância são borrões entre brincadeiras de rua e violência doméstica. E sei bem que ele fazia o que bem entendia com minha mãe. Cansei de a ver chorando, e de ver meus irmãos machucados, e que melhor resposta eu deveria dar se não responder à altura? Se algum filho da puta viesse pra falar que era só conversa, eu o desafio a passar pelo menos uma semana na casa onde vivíamos.

E tenho certeza que foi daí que comecei a sair de casa. Casa dos vizinhos, da minha avó que pela graça de qualquer quem seja que esteja acima de nós, nos deu apoio quando necessário, casa de amigos, de qualquer lugar. Até mesmo a rua era mais convidativa do que dormir onde eu dormia. Por isso até hoje saio mais à noite, que é quando todo mundo ficava em casa e não queria ficar ali de jeito nenhum.

Não tem como reagir de outro jeito que não seja com ódio. Como se reage com amor em um lar que foi formado só pela raiva? Por isso que quando aquela metida que tem tudo na vida abre a boca dela pra dizer aquelas coisas me deixa irada. Irada não, puta de raiva, encaralhada. Nunca teve que apartar briga dentro de casa com um desgraçado tentando matar sua família. Ninguém teve que levar um soco na cara ou um chute tentando defender a mãe, e tenho certeza que muito menos teve que machucar alguém pra se defender. E sim, eu esfaquearia aquele desgraçado quantas vezes fossem necessárias, de novo.

Minha vida (não) tão chataOnde histórias criam vida. Descubra agora