Tumulto juvenil

318 43 11
                                    


E claro que aquele final de semana mágico logo se tornou uma memória vívida na minha mente, na qual revisito toda a vez que posso, principalmente agora que tenho que encarar a vida real, e quando digo vida real, falo da escola.

A pior parte não é nem ter que aturar um bando de retardado que se acha muita coisa com conversas supérfluas, ou aulas que envolvam contas. O que mais me amedronta está ali, de fones de ouvido, sentada na última cadeira do canto esquerdo, e como sempre, séria.

Devo fingir que nada aconteceu ou devo tocar no assunto? Quanto mais me aproximo dela, mais temerosa fico, mas não posso fazer nada. Ou eu sento ao seu lado como sempre fiz, ou sento no chão da sala e chamo a atenção de todo mundo e deixo evidente que tem algo de errado entre nós. Tem algo de errado mesmo?

Sento ao seu lado, inspiro e respiro devagar. Olho de canto. Ela sequer se mexe da sua posição, como se estivesse só e começa a anotar alguma coisa no se caderno. É claro, não posso esperar uma reação diferente da Cris, mas o problema maior é que não sei dizer se ela está com raiva ou só indiferente, ou triste. Por que ela estaria triste? Eu que deveria estar triste por ter corrido da sua casa e ela sequer me procurou depois.

Mas é aquilo, eu não posso esperar nada de diferente vindo dela, e a pior parte é que eu sequer posso falar do que aconteceu porque das duas uma: ou ela não vai me ouvir, ou vai falar que não a interessa. E, caramba, eu quero tanto conversar com alguém, será que...

— Vitória, poderia olhar pra frente?

Como é que essa professora só chama a minha atenção e não repara na menina do lado usando fone de ouvido? E naquele pessoal conversando? Ah, merda, tenho uma sorte que vou te contar...

Mas não dá pra ficar assim com a Ana Cristina, sério. A aula corre, e toda a vez que tenho a oportunidade de olhar em direção a ela, continua com aquela feição taciturna, como se nem estivesse ali. Ela nem olha na minha direção, é sério isso? Como é que ela consegue fazer isso?

Só sei que eu não vou conseguir ficar muito tempo calada, e assim que o toque do intervalo soa, sento na cadeira à sua frente.

— Cris – percebo que minha voz quase parece chorosa, mas ignoro – você está com raiva de mim?

Ela levanta o olhar das anotações, e me encara sem esboçar reação.

— Não.

Certo, sinto que acabo de ser atingida por uma navalha bem afiada, mas nada que eu já não esperasse.

— Então por que não está falando comigo?

— Quando não se tem o que dizer, é melhor ficar calada – ela responde sucinta, e eu pressiono os lábios. Que merda.

— Beleza, daí vai me dizer que não tem nada a ver com o fato de eu ter aparecido de calcinha na sua frente?

O problema é que quando me exalto eu falo um pouco mais alto do que o habitual, e isso chama a atenção das pessoas que ainda estão na sala, que riem, bem pensando que estamos tendo uma DR. Ela dá com os ombros, e tenho vontade de esganar aquele pescoço bonito.

— Eu só fiquei surpresa, Vitória, não tem nada a ver...eu... – ela aponta para o caderno – tenho coisas mais importantes pra resolver agora.

— E o que tem de tão importante na tua vida que você sequer pode conversar comigo?

— Deve ser porque eu tenho planos maiores do que teus problemas amorosos.

Epa, peraí, ela disse o quê?

Minha vida (não) tão chataOnde histórias criam vida. Descubra agora