Entressonho

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As batidas na porta de metal interromperam felizmente a linha do surto.

— Olá? Não se preocupem, estamos tirando vocês daí nesse momento! — A voz masculina abafada soou pela porta fechada do elevador.

Franzi o cenho de estranheza, e antes que pudesse externar a confusão notei a expressão travessa de Justin. Ele deu um passo para trás e me soltou, mas não tive tempo de perguntar antes que estivéssemos de cara com um homem uniformizado de camisa azul e calça preta, o cabelo escuro arrumado em gel para trás, tez rosada e olhar grande ansioso. Por cima de seu ombro a recepcionista espreitava dentro do compartimento.

— Senhor Bieber, senhorita, perdão, esse elevador está travando quando são apertados os dois botões de abrir e fechar a porta, vamos providenciar o conserto. Se pudermos nos redimir por essa inconveniência... — o homem, nervoso, desfiava suas desculpas quando Justin levantou a palma da mão, tranquilo.

— Sem problemas, amigo. Vamos? — Voltou-se para mim, a pergunta de fato representava um convite, não apenas um incentivo, aliás, eu não o havia dado a resposta.

Diante da situação embaraçosa, apenas aquiesci e saí apressada do compartimento metálico. Justin apontou para a escada que descia ao estacionamento e eu segui na frente, buscando deixá-lo fora do meu campo de visão. Estratégia que não foi eficiente, visto que ele estava à minha esquerda, acompanhando minha velocidade.

Podia ouvir passos de clientes subindo o lance anterior de escadas até o restaurante e ruborizei ao imaginar quantas pessoas havíamos impedido de utilizar o elevador. Na metade da escada mais um pensamento lógico, destacando-se em meio ao meu caos mental, me ocorreu. Por que Justin havia entrado pela porta da frente do térreo e não subido de elevador ou tomado as escadas para o restaurante? Abri a boca para perguntar.

— Pensei que você pudesse estar lá fora em frente ao estabelecimento me esperando, então resolvi te procurar por lá e depois entrar para olhar aqui dentro — explicou feito um leitor muito bom de mentes.

Fechei a boca num estalo e ele deu um sorrisinho satisfeito por pagar de adivinhão. Em contrapartida, suei imaginando quanto mais da minha mente ele havia lido naquela noite. Afinal, eu acabara de admitir a mim mesma uma catástrofe descomunal. No breve momento de silêncio pensei também no que o funcionário desconhecido havia falado sobre a porta travar por ter apertado dois botões. Gastaria pensamentos úteis a fim de me esconder de minha recente revelação.

Quão absurdo seria ele saber daquilo e ter feito de propósito? Analisei-o de rabo de olho — e foi horrível ver seu rosto perfeito. Se tivesse vindo recentemente, tirando a vez que esteve ali comigo porque nada sobre isso havia sido mencionado enquanto estávamos no estabelecimento, ele poderia já estar a par desta situação. Quiçá utilizado da mesma estratégia com outra pessoa.

Liguei o fato com sua expressão marota no resgate e perguntei:

— Você já sabia que o elevador estava com problema?

Ele tentou manter a fachada ingênua, mas tive um vislumbre da verdade em sua face. Arqueei a sobrancelha.

— Hmm... Posso ter ouvido falar quando estive aqui sozinho ontem — o destaque nada sutil na palavra sozinho quase me fez sorrir.

— Pensei que você tivesse medo de elevadores, lugares fechados.

Sorriu, em satisfação por aparentemente ter lhe dado sua próxima arma.

— Tenho mais medo de estar sem você.

Chegamos ao térreo e eu mordi minha língua para me manter presa à realidade. Ele sabia ser muito convincente em suas palavras. E não ajudaria nada em meu recente problema emocional. Por isso eu deveria me manter afastada, me lembrei.

Litigious LoveOnde histórias criam vida. Descubra agora