Conflitos

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— Eu sei que não tem a mesma emoção do que se estivesse no verão, mas até o ar fica diferente e eu sinto que a brisa conversa com as minhas veias! — Lara declarara enquanto descia do carro, sua expressão de uma serenidade sonhadora confirmava as palavras e eu mesma me sentia signatária de seu discurso.

Los Angeles era a cidade do sol, pelo menos essa era a imagem passada pelas mídias, com seus coqueiros, praias e céu azul. Mas ali estávamos nós em pleno inverno, cobiçando as praias feito crianças diante de um bolo de aniversário. Como bons masoquistas, nossa primeira parada na cidade era Santa Monica, por livre e espontânea pressão da minha parte e minha irmã. A paisagem talvez não admitisse tanta interação, mas seria de grande utilidade para o meu ofício. Ler na beirada da praia me traria mais prazer em avaliar os novos capítulos traduzidos, que me aguardavam cada vez com mais urgência. Minha falta de inspiração era um dos principais motivos para nos deslocarmos naquele dia.

— Minha nossa. — Exclamei, observando o píer. Meu pai conseguira uma vaga bem próxima dele e de fato a construção impressionava. Eu não imaginava que fosse tão grande assim de acordo com as fotos vistas.

Imaginei, também, que uma das únicas atrações fosse a roda gigante, contudo, podia vislumbrar o mini parque completo e diversas lojas. Lara pensava o mesmo que eu e trocamos um olhar entusiasmado. A visita à Belmont Park em San Diego estava adiada para este final de semana e estávamos ávidas por brinquedos. Dei leves tapinhas na bolsa transversal pendurada em meu ombro, contendo meu caderno e tablet, expressando o prévio pedido de desculpas ao lento — ou inexistente — progresso no trabalho.

A areia branca se estendia a nossa frente, muito mais extensa do que eu estava acostumada. O mar se retraía com aparente timidez. Apertei os olhos para as ondas pacíficas demais para o meu gosto, quebravam-se um pouco mais no fundo, inalcançável para nadadores inexperientes — a maioria das pessoas — e lambia a areia com tamanha delicadeza. Eu apreciava o bom mar violento, havia algo prazeroso na agitação traiçoeira da água salgada que prometia chacoalhar seus os ossos entre os músculos e inesperadamente te afogar.

Por mais que não estivesse chovendo ou nublado — aparentava um dia caloroso, com céu limpo e um claridade que só podia vir do sol — a temperatura não devia passar de vinte graus, a brisa gelada do mar afagava meu rosto e me surpreendi com a quantidade corajosa de pessoas em trajes de banho sentadas na areia ou dentro da água. Encolhi-me em meu casaco imaginando o frio que sentiam, embora apreciasse verdadeiramente o aroma tangente de sal, areia e umidade.

O píer estava mais abarrotado, se houvesse um pouco mais de pessoas não conseguiríamos dar um passo sem esbarrar em alguém — e há quem diga que janeiro é baixa temporada na Califórnia. Um verdadeiro caos, lojas enfileiradas nos cantos e barraquinhas de todos os tipos espalhadas a cada metro. Eu não me surpreenderia se as tábuas cedessem sob todo aquele peso — isso sem contar o parque.

Paramos para uma foto em família embaixo da placa branca lendária "Fim da rota 66" e seguimos junto a turba para a frente. O Pacific Park, apesar do nome, não trazia nenhuma sensação de paz, mal dava para distinguir onde começava um brinquedo e terminava o outro. Mas se eu quisesse paz meditaria. A maioria dos brinquedos se destinava às crianças, contudo, Lara e eu faríamos bom proveito da barca, montanha russa pequena — que se estendia amarela por cima das pessoas e os outros brinquedos em quase todo o parque —, uma espécie de roleta humana, — com bancos para duas pessoas, o brinquedo girava como uma bola enquanto os próprios bancos rodavam em seu eixo —, o elevador versão miniatura e a roda gigante.

— Bem, é um alívio termos tomado café da manhã há duas horas atrás. — Meu pai comentou, analisando crítico o emaranhado de ferragens.

— Você também acha impressionante isso ainda estar em pé? — mamãe bateu o pé na madeira embaixo de nós — Não é à toa que não sou arquiteta ou engenheira.

Litigious LoveOnde histórias criam vida. Descubra agora