Cavalo de Troia

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Encarei zangada a espinha pela câmera do meu celular. Eu não tinha um problema muito sério com acnes, desde que tomasse água regularmente e lavasse o rosto com um sabonete facial bom, mas, vez ou outra surgia alguma protuberância teimosa em minha pele. É claro que a tendência decidira renascer justamente naquele dia. Lara fizera o possível para me ajudar a disfarçar com maquiagem, contudo, nem ela podia realizar milagres. Como se eu já não estivesse nervosa o bastante em aparecer na televisão, e não qualquer uma, simplesmente um canal de televisão estadunidense.

— Podemos? — Minha mãe perguntou, descendo as escadas rapidamente.

Todos nós estávamos muito animados, no meu caso, a animação vinha diluída em enjoo de ansiedade, a ponto de me despertar a vontade de cancelar a entrevista. Coisa que em sã consciência eu não faria, lembrei a mim mesma, esfregando as mãos suadas.

Levantei-me do sofá muito mais corajosa do que me sentia. Lara saltou ao meu lado, empolgada.

— Podemos. — Confirmei ao ver meu pai descendo atrás dela.

Resolvemos tirar nossos melhores trajes do guarda-roupa, minha mãe apostara num vestido longo drapeado que marcava sua cintura, mesclando o verde camuflado com a estampa florida, o decote V e uma abertura na altura das canelas finalizavam os detalhes. Para completar o look, calçava sandálias musgo, deixando a mostra suas unhas pintadas de vinho. Por outro lado, suas bijuterias eram bem discretas e um casaco preto lhe cobria os ombros.

Lara ostentava seu macacão preto, jaqueta jeans e ankle boots. Enquanto eu escolhi minha blusa branca de seda lisa, calça preta skinny rasgada de cintura alta — o cinto preto com tachas circundando minha cintura servindo apenas de enfeite, blazzer cinza e sneaker preto. Meu pai olhara para minhas unhas pintadas na cor de petróleo e perguntara se eu finalmente decidira virar roqueira. Eu li em seus olhos o comentário deixado de fora: "Agora que finalmente abriu os olhos para a índole do seu cantor pop".

Ele, por sua vez, escolhera vestir sua camiseta branca, calça e casaco pretos e sapatênis na mesma cor. Bem jovial e elegante, e atestamos esse elogio para sua expressão presunçosa de falsa modéstia.

Enfileirados, nos direcionávamos a porta quando batidas ecoaram da mesma.

— Bom dia! — o sujeito atarracado de uns quarenta anos usando um colete preto por cima das roupas modestas abriu um meio sorriso profissional para minha mãe, embora eu pudesse ver certa agitação em seus olhos — É aqui que reside... — Ele leu o envelope que estava em suas mãos em cima de uma prancheta, franzindo a testa de concentração — Júlia Duarte Souza? — Pronunciou em dúvida, naquele mesmo sotaque que Justin usava. Travei o maxilar de irritação ao pensar no nome dele.

— Quem gostaria? — Ela perguntou antes de me denunciar.

— Oficial de Justiça do Estado de Califórnia, senhora. — Botando a mão dentro do colete, tirou de lá uma carteira preta com um brasão que muito me lembrou o distintivo de um policial "California Department of Justice". Ele parecera orgulhoso disso.

Minha expressão desconfiada se desanuviou e dei um passo a frente, estagnada naquele limbo emocional que precedia a fúria esmagadora. Ordinário! Justin miserável Bieber decerto cumprira suas ameaças. Lara, mais atenta ao ouvir as palavras comuns de seu objeto de estudo, Direito, se inclinara sobre meu ombro. Minha mãe a empurrara sutilmente para que assumisse seu lugar ao meu lado, como nosso projeto de advogada.

— Sou eu. — Por alguma razão, eu soara como um tributo.

Ele me deu um breve aceno de reconhecimento e estendeu para mim o envelope branco e sua prancheta.

Litigious LoveOnde histórias criam vida. Descubra agora