Capítulo 27

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Angel

— Bem, Angel, me fale como você se sente? O que te atormenta? Estou aqui para te ajudar, então não tenha medo de julgamentos ou algo do tipo. Jamais farei isso. — a Dra. Penélope fala enquanto me observa atentamente.

Me remexo no sofá um pouco desconfortável. Respiro fundo e encaro meus dedos.

— É difícil de explicar... eu passei a vida sendo maltrata pela minha mãe e pela longa lista de maridos que ela sempre levava para morar conosco. E tudo doía, tanto fisicamente quanto no coração... mas há três meses foi tudo pior. — balanço a cabeça, tentando afastar os pensamentos. — Eu até poderia superar a surra que Rebeka me deu, mesmo que no fundo a ferida ainda estivesse aberta, entretanto... eu não consigo esquecer o que Max, meu padrasto, fez comigo. Às vezes acordo do meio da noite sentindo alguns toques fantasmas, como se ele estivesse ao meu lado e fosse fazer isso novamente.

A doutora apenas me escuta, anotando algo em seu caderno. Suspiro. Já aconteceram tantas coisas na minha vida que acho que meu cérebro preferiu apagar qualquer lembrança. Eu sei que tenho mágoas e dores antigas, mais profundas do que eu possa imaginar. A questão é que simplesmente não consigo lembrar...

— Acho que... passei tantos anos sofrendo calada, que agora toda a dor veio à tona. — falo, encostando minha cabeça no estofado. Encaro o teto enquanto tento reorganizar as memórias.

— Às vezes, inconscientemente, o cérebro faz qualquer coisa para fugir da dor. — a Dra. Penélope começa. — É como um cadeado nas nossas memórias, e geralmente essas lembranças só vêm à tona quando algum gatilho possa ser usado como chave. Mas não precisa se apresar, teremos várias consultas pela frente e vamos trabalhar com calma na sua recuperação.

— Eu... realizei um aborto semana passada. — comento, engolindo em seco. — E, por mais que eu saiba que foi o melhor a se fazer, afinal, eu não tenho condições nem de cuidar de mim mesma quanto mais de um bebê, ainda me pergunto se foi a decisão certa... Eu acho que fui fraca. Mesmo sendo meu filho, ainda era uma parte de Max. Não conseguiria viver com uma lembrança eterna do que ele fez comigo.

— Você não foi fraca, Angel. Sim, o bebê não tinha culpa, assim como você. Muitas mulheres vêem a gravidez como uma chance de recomeçar, já outras não conseguem suportar a ideia de um filho fruto de um abuso. E está tudo bem. Você não se torna ruim por escolher interromper a gravidez, afinal, tem o direito de tomar a decisão sobre o próprio corpo e sabe o que é melhor, tanto para você quanto para o feto. — sinto meu coração se acalmar um pouco com suas palavras. — Você se arrepende?

Penso um pouco sobre e chego a conclusão de que não me arrependo. Como a doutora falou, foi o melhor para mim e para o bebê. Eu sinto vontade de ser mãe, construir uma família que nunca tive, mas não agora.

Primeiro preciso me curar.

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— Se liga no meu corpinho! — Eros dança em cima da mesinha de centro da sala. — Tenho até mais bunda que a Felicity.

Dou risada das suas brincadeiras. Os pais dos meninos foram jantar fora, então, Felicity chamou Eros e Miles para uma noite de filmes com a gente. Ela queria me animar, e sabe que me sinto confortável com sua família.

— Isso não é justo! — Fê faz uma carinha emburrada e cruza os braços.

— Você é mais bonita. — murmuro, reparando que suas bochechas tomaram um tom leve de vermelho.

— A meta cara! Preciso de alguém para me amar. — Eros finge chorar. — Quem sabe, se eu fizer uma macumba, consigo viver um romance de fanfic.

— Só na macumba mesmo. — Miles se pronuncia com um sorriso provocante no rosto.

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