Capítulo 27: Diário

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Demorei um bom tempo pra me acalmar um pouco. Acabei perdendo a paciência, expulsei os meninos da minha frente. Não queria vê-los. Muito menos conversar com alguém.

Quando as lágrimas deram uma cessada, fui até Matt pedir pra tomar um banho no seu chuveiro. A mágoa é tão grande que meu desejo é que o mundo todo se foda.

Estou sentada embaixo da água do chuveiro abraçada com meus joelhos e chorando novamente. Simplesmente não consigo parar, tudo, qualquer coisa que eu toque me faz lembrar a porcaria do diário e da minha vida.

Achava que Leonard simplesmente me tratava assim por me achar curiosa. A curiosidade matou o gato. É isso que ele dizia. Até quando descobri que era meu verdadeiro pai pensei seriamente que suas atitudes para comigo se devia ao fato de eu ter metido o nariz onde não era chamada.

Não que eu precisasse do seu amor, Lincoln o substituiu. Mas a minha mãe? A pessoa que dizia o tempo todo que eu era o bem mais precioso que ela tinha. Megan, a pessoa que via como exemplo e que me incentivava a ser boa com os outros. Ela sabia de tudo e me odiou desde o começo. Todo seu amor, todas as suas palavras não passaram de hipocrisia em todos esses anos. Ainda me escondeu um fato importante: minha deficiência. Dizia que eu era sua preciosa, mas no fundo sentia repulsa e pesar de nunca ter conseguido abortar.

Passo a mão pelos meus cabelos molhados, me levanto e deixo a água morna cair nas minhas costas com o objetivo de relaxar meus músculos tensos. Não funciona, mas é o melhor que penso de momento até escutar a porta do banheiro se abrindo e Tyler entrar e fecha-la. Ele não diz nada, se encosta na parede com os braços cruzados e fica olhando para o chão me esperando.

- Uma vez Trina me disse que eu devia protegê-la. - Tyler diz depois de alguns minutos - Que você era especial e merecia isso.

- Não me chama de especial. - desligo o chuveiro, enrolo a toalha no corpo e saio. - Eu não sou especial, e não me trata assim.

- Amelie.. - Tyler segura meu braço quando passo por ele - Olha pra mim. - mantenho meus olhos na parede - Olha pra mim, por favor. - respiro fundo antes de encará-lo. - Você sempre foi especial pra mim e não é por causa da sua deficiência. Eu não sabia dela até uma hora atrás. E não fala mais que você é uma arrombada, é sério.

- Uma aberração deve ser tratada como tal, não é? - digo friamente - Foi isso que estava escrito lá, o que Leonard escreveu, foi isso que ele prometeu e o que ele conseguiu cumprir.

- O que fizeram com você, Mel, foi crueldade. Longe de qualquer coisa. - Tyler diz com seu tom calmo de dar inveja - Amelie Parker não merecia isso, de nenhum jeito. Ela não é uma aberração, não é amaldiçoada. Você.. Não é nada daquilo que estava escrito. Eu sei disso, Peter sabe, Amberly, Matt, Trina e o seu pai sabia. Não vou pedir pra não se atormentar com isso porque eu sei que não vai esquecer. Mas só quero que saiba que você é muito mais do que aquilo.

Balanço minha cabeça levemente pra concordar com o que ele disse. Tyler e o pessoal podem achar isso, mas agora minha cabeça está tão confusa que só quero ficar quieta na minha, mas, sei que ainda temos trabalho a fazer.

Tyler fica encostado na parede enquanto visto minha roupa e seco meu cabelo. Saio do banheiro na frente. Os olhos de Matt e Peter pairam sobre mim. Há uma garrafa de cerveja em cima da mesa de centro, imediatamente a pego e me sento com as pernas em cima do sofá e abraçando uma almofada.

- Tudo bem? - Peter pergunta e sem querer responder, balanço a cabeça negando e tomo um gole de cerveja. Já que Matt disse que não faz mal em mostrar quando não se está bem é isso que irei fazer. Pelo canto de olho vejo Tyler dar um aceno a Peter e se sentar no chão.

- Bom.. - Matt arruma os óculos - Descobrimos onde Leonard achou Guimarães. - Peter estica a pasta pra mim, mas é Tyler que a pega no meu lugar. Não querendo que eu surte novamente.

- Uma das firmas de advogados que a Union criou, a American Lawyers. Uma das mais famosas de Manhattan. - Tyler diz - Eles devoram todos os clientes, arrancam dinheiro de milhares de pessoas e fazem constantes transações bancárias pra políticos, policiais, juízes..

- Guimarães foi um dos primeiros contratados pra representar a firma. - Peter diz - Até então não era promotor e sim advogado. Mexeu uns pauzinhos e voilá.

- E como ele foi parar nessa merda? - digo calmamente massageando minha têmpora que começa a latejar.

- Foi indicado por Guilhermo e pelo senador King. Os dois são próximos. - Matt diz - Primos de segundo grau. American Lawyers costuma fazer transações para políticos corruptos. O senador é um deles. O envolvimento do senador é um dos motivos do porque ninguém conseguiu escapar do Leonard.

Estico a mão para Tyler que me entrega a pasta. O nome completo daquele desgraçado é Albert Guimarães, 38 anos, solteiro, filho de mãe alemã e pai britânico. Filho único formando em direito pela Stanford. Aluno renomado.

Pelos minutos seguintes destrinchamos todos os arquivos. Descobrimos tantas coisas da organização. Coisas que nunca imaginei que veria. Como não estava me sentindo com muita vontade de comer, mesmo a pizza cheirosa em cima da mesa, peguei o diário de Leonard e me tranquei no quarto de Matt.

Mesmo sendo doloroso, queria saber mais sobre a minha história. Saber como Megan se envolveu com Leonard, porque Leonard omitiu a verdade até para Mateo. Tudo!

"Ser pai é mais complicado do que imaginei que seria. Mateo não para de chorar a noite toda. Aguentar aquele choro agudo de doer o ouvido não é pra qualquer um. Admito! Ainda tenho que ouvir Megan reclamar na minha cabeça o tempo todo que não estou dando atenção suficiente para o menino e pra ela principalmente".

"Nunca pensei que a filha da puta da Megan mandaria Mateo pra longe sem me consultar. Estávamos tão cansados e estressados que essa vadia não pensou duas vezes antes de fazer essa loucura. Ela acabou indo parar no hospital com um soco que lhe dei por ter perdido a paciência em ouvir suas desculpas falsas. Mas não é perdido. Ainda irei encontrar meu filho e quando o fizer, ela nem saberá".

Tudo começou a fazer sentido. Megan mandou Mateo para um lar adotivo quando ele tinha cinco meses. Por isso Mateo não se lembrava de Leonard, por isso ficou surpreso. Mas alguma coisa dentro dele já imaginava qual a situação. As longas noites sem dormir, a falta de afeto, tudo contribuiu para que Leonard trata-se Mateo como um simples funcionário, nunca dando a ele a posição mais alta na organização e sim a Tyler. Leonard adotou Ty quando ele mais precisava pra substituir o filho que tinha perdido.

"Meu estômago revira quando vejo o modo hipócrita que Megan trata a menina. Mal sabe ela que coloquei câmeras na casa. Vigio cada coisa que Megan e o maridinho fazem com Amelie. Se ela sequer ousar em encostar um dedo na menina vai morrer antes mesmo de bater no chão. Amelie é minha propriedade. Apenas minha. E eu vou garantir que isso continue assim".

Deixo o diário aberto em cima do meu colo enquanto olho fixamente para o teto. Algumas imagens passam rápidas pela minha mente, mas nada que eu queira manter e realmente lembrar com detalhes. Passo a mão no rosto, respirando fundo e afastando qualquer coisa estúpida que eu esteja imaginando agora. Seguro o diário em minhas mãos e os folheio mais a frente.

"Amelie já tem idade suficiente pra começar o treinamento. Mas sei como é teimosa e manipulável ao mesmo tempo. Precisava achar um motivo para trazê-la a mim. Não foi difícil adoecer o saudoso Lincoln. Com as substâncias certas fui capaz de fazê-lo desenvolver a doença que atormenta a cabeça da minha filha dia e noite. Ainda gastei uma fortuna comprando os donos dos estabelecimentos que ela foi pra se candidatar a uma vaga de emprego. Agora, trabalhando aqui, posso fazer ela se envolver sem ao menos perceber".

No fim, minha teoria estava certa. Só não esperava lê-la tão explicitamente. Fecho o diário colocando-o sobre a cama. Um nó gigante se forma na minha garganta segurando pra não soltar o soluço alto que estou segurando. Coloco minha mão sobre a boca pra tapar o leve barulho que sai. Não posso chorar de novo. Não posso! Sabia o que poderia encontrar, mesmo assim, me arrisquei a ler. Nada é surpresa, pelo menos quase nada. Bom, o que dizer de uma pessoa psicologicamente fodida?

SURVIVE - 2 TEMPORADA (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora