Capítulo 35: Carta

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Antes de resolver voltar pra casa decidi passar no abrigo a pedido de Débora. Ela queria ajuda pra ver o que fazer com o resto dos pertences de Joe. No fundo da gaveta da sua cômoda dentro de uma caixinha de madeira havia um envelope com meu nome escrito na frente. Perguntei a Débora se ela sabia de algo sobre isso, disse que sabia que Joe havia escrito uma carta pra mim há dois anos e que queria que fosse entregue apenas quando algo acontecesse com ele.

Agora, de volta na minha casa, sentada na cadeira em frente a janela, estou com o envelope na mão pensando seriamente se eu deveria abri-lo. Joe sabia que tinha sorte por ter sobrevivido ao ataque de Fisk, mas no fundo sempre teve medo de que algo acontecesse ele novamente. Abro o envelope tirando de dentro uma folha branca com a letra embolada de Joe e dou risada lembrando que sempre dizia a ele que a letra parecia de médico.

"Querida Amelie. Sei que não devia estar escrevendo essa carta agora, mas nunca sabemos o dia de amanhã então preferi colocar por escrito essas palavras no caso de uma morte inoportuna. Sei que ao ler isso você me xingará mentalmente por pensar assim, mas nunca se sabe né. Deve saber que Daya está bem, ela sempre pergunta por você nos fins de semana que não aparece aqui no abrigo. Eu quero te pedir que não demore muito pra dizer a verdade, sei que tem medo que Daya te odeie, mas ela faz jus ao significado do nome. Pode ser que ela te odeie sim, mas logo a fúria passa. Mas sei também que por ser cabeça dura, você vai dizer que ainda não é hora. Então não demore. Nunca sabemos quanto tempo temos com nossos filhos. Sei que sua vida anda complicada bem mais do que antes, mas eu espero que isso não atrapalhe no relacionamento das duas. Você sabe que é uma filha pra mim, por isso tomei a liberdade de redigir um testamento, caso o pior aconteça. Deixarei o abrigo aos cuidados da Débora, ela fará um bom trabalho. Pra você e pra Daya deixo minha casa de campo de Nevada com todos os bens dentro. Nunca comentei dela com vocês porque ela sempre foi um refúgio especial pra mim e sei que você cuidará bem. Mais uma coisa, o que quer que aconteça, comigo ou com qualquer outra pessoa, não quero nunca que pense que foi a culpada. Tive sorte de ter aparecido naquele dia, eu nunca me arrependi um minuto sequer de ter lhe abrigado e faria de novo se fosse necessário. Você e Daya foram as melhores coisas que aconteceram comigo em anos. Não se esqueça disso. Com amor, Joe!"

Termino de ler a carta com as mãos trêmulas e a respiração mais lenta. Não que seja bom ler a carta de despedida do Joe, mas senti um certo alívio ao ver. Sempre achei que no fundo ele se arrependia de ter cruzado meu caminho e me ajudado.

Coloco a carta no envelope novamente e o guardo dentro da gaveta da minha mesa de cabeceira. Volto a olhar pela janela, vendo a garoa começar a cair e molhar o jardim enquanto massageio minha perna devagar com uma mão e com a outra apertando a bolinha. Tyler trouxe Daya pra tentar falar comigo, mas ela não quis muita conversa, preferi não forçar a barra. Mesmo assim, ela não quer sair daqui e pediu pra Tyler ficar aqui com a gente. Mas no completo silêncio.

Minutos se passam até ouvir a porta da sala se abrir e a voz de Amberly e Peter ecoarem pelo cômodo. Uma sensação de paz me preenche quando ouço sua voz e logo depois uma batida na porta. Tyler e Daya saem e depois de dois dias vejo um sorriso no rosto da minha filha.

- Ei.. - Amberly da um sorriso fraco quando viro a cadeira pra olhá-la. Ela se agacha na minha frente me olhando preocupada. - No que você se meteu agora?

- No que foi preciso.. - respondo baixo olhando em seus olhos com a mais sinceridade possivel.

- Eu falei pra não se meter em encrenca.

No mesmo instante minha cabeça começa a vaguear para o dia que lutamos e perdemos o Joe.

- Foi uma emboscada - digo, aperto a bolinha mais rápido. - O Joe pagou por isso.

- E não vai atrás dele?

Ainda não disse a ela o que realmente aconteceu. Nem mesmo na mensagem. Quis poupa-la disso na hora, mas agora não tem jeito. Olho pra baixo pensando numa resposta sentindo meus olhos queimarem com as lágrimas que se formam.

- Nós fomos. - limpo a lágrimas que escorre na minha bochecha e a olho. - Acabamos de voltar do funeral.

Amberly abre um pouco a boca surpresa com a notícia e olha pra baixo. Sei que em pouco tempo ela criou carinho por Joe, confiando nele assim como eu confiava. E sabia que qualquer coisa poderíamos contar com sua ajuda.

- Eu.. sinto muito - ela passa a mão no meu braço - Ele era um bom homem.

Sem aguentar mais a angústia e a saudade que sentia dela, abraço seu pescoço sentindo a paz se intensificar como das outras vezes. O mais difícil disso tudo é ter passado por esses últimos dias sem Amberly pra me consolar. Ela sabe como me sinto, sabe como me fazer desabafar mesmo se for apenas chorando e sabe como me fazer rir mesmo nos meus piores dias. Amby foi meu refúgio nos últimos meses e espero que seja nos últimos anos, apesar de estar atarefada.

Conto ela tudo o que aconteceu. Amberly não me julga, como achei que faria por ter escondido tanta coisa. Ela me ouve e garante que tudo ficará bem.

- Como está indo lá? - pergunto, me referindo a sua investigação.

- Bem, descobrindo várias coisas importante. - ela responde e olha pra baixo - Mas na maior parte do tempo eu penso em você e na Daya.

- Eu também penso em você - dou um leve sorriso. - Daya pensa mais ainda.

- Como está? Com tudo isso.

- Brava comigo - dou uma risada baixa e olho pra bolinha - Até me bateu. Joe era um pai pra ela.

- Ela tem que entender que não é culpa sua. - Amberly diz - Podemos fazer coisas que ela fazia com ele. Talvez ajude.

Daya escancara a porta já de roupa trocada e senta do lado de Amberly que tenta animá-la chamando-a pra brincar. Por fim, ela decide brincar de pique-esconde no jardim enquanto observo as duas da janela do quarto. Amberly é a primeira a contar e Daya se esconde atrás de uma árvore, abraçada com os joelhos. Observando, percebo que ela está chorando baixo pra Amberly não a achar limpando o rosto várias vezes pra tentar parar.

Um minuto depois, Amberly a acha e as duas voltam pra dentro. Como elas não sobem, pego a bengala que Peter me emprestou (só Deus sabe porque ele guardava isso), me levanto devagar e desço degrau por degrau das escadas encontrando Daya virando um copo de água enquanto Amberly senta ao seu lado.

- Eu quero voltar para o abrigo. - Daya diz determinada. Meu coração se aperta e não sei o que responder, deixando Amberly fazer isso pra mim.

- Por que?

- Porque eu quero ficar perto do Joe. - ela responde.

- Daya.. - Amberly a chama - Precisa ficar aqui com sua mãe. Senão ela fica sozinha.

- Eu também tô sozinha, Joe se foi. A Débora está sozinha lá. Por que só ela não pode ficar sozinha uma vez? - Daya dispara rápido olhando pra mim.

- A Débora tem outros lá. - digo.

- Depende do ponto de vista.

- Por favor, Daya. - Amberly suaviza - Sua mãe te quer aqui. Ela precisa de você aqui.

Ao ouvir, Daya bufa e se levanta irritada me encarando antes de olhar Amberly novamente.

- Vou ficar porque é você que está pedindo e não ela.

Daya sai pisando duro escada acima. Fecho meus olhos e respiro fundo antes de dar uma risada nervosa. Eu espero que Joe esteja certo.

Abro os braços para Amberly pedindo outro abraço e ficamos assim, colocando o papo em dia e matando a saudade um pouco.

SURVIVE - 2 TEMPORADA (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora