CAPÍTULO 13

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Não deu tempo de tocar a campainha. Na hora em que dona Fabiana levantou o braço, uma porta se abriu diante de nós como mágica. Mamãe olhou para mim como quem faz uma pergunta.
― Entre. A porta não é automática, eu vi vocês chegando e vim abrir para as donzelas. ― Dona Luíza e minha mãe se abraçaram como se não se vissem há anos. As duas sorriam. Tá aí outra coisa que estranhei, minha mãe abraçar outro ser que não fosse minhas amigas ou nós, os filhos. Quando ela via dona Luíza, elas sempre se abraçavam e era como se o mundo acabasse e só restassem elas.
― Marina, filha, a Biatriz está lá no quintal, vá lá, mas nada de bagunça. Essa menina está cada vez mais parecida contigo. Vem, vamos lá na cozinha, eu fiz uma coisinha para você. ― Dona Luíza, ainda abraçada a mamãe, que parecia estar gostando, seguiu rumo à cozinha conversando e eu fui para o quintal. Meu coração parecia um louco, pulsando desordenadamente a cada passo que eu dava.
Biatriz estava sentada no chão com um cachorro imenso entre suas pernas, secando-o com uma toalha velha. Pelo estado em que estava sua roupa, ela também precisava de uma toalha.
― Quem banhou quem afinal de contas? ― Só então ela me viu. Quando ergueu a cabeça, ela sorria e seus olhos verdes pareciam uma tempestade no mar em dias de chuva, perigosamente atraentes, e eu sabia que me afogaria naquele olhar sem chance de me salvar.
― Que milagre é esse? O que está fazendo aqui sozinha? Espera. Vou prender o Rex. ― Saiu segurando o cachorro, que chegava quase na sua cintura, pela coleira. Ele parecia não estar de acordo com sua humana, a todo momento queria voltar. Biatriz colocou o cão na casinha e prendeu na coleira. Juntou o lixo que estava ao lado e jogou na lixeira.
― Ele está assim porque ali atrás daqueles baldes uma gata que não é nossa deu cria a quatro gatinhos. Vem que te mostro. ― Bem próximo a onde ela estava antes, tinha baldes, vassouras e pano de chão. Em cima de um deles, uma gata dormia com umas bolinhas de pelos se mexendo e tinha um que estava mais distante, chorando, mas um miado tão baixinho que doía na gente. Bia, ao ver minha admiração com os filhotes, apontou.
― Aquele fujão ali é diferente dos outros, ele vai ser todo branquinho. Vê? Não tem uma pinta. Tomara que seus olhos sejam azuis.
― Eu amo gatos. Já tivemos dois, um fugiu no dia da vacina e nunca mais voltou, o outro papai atropelou. Ele dormia embaixo do carro e o papai não viu. ― Ainda doía a lembrança. Foi um choro que não acabava, mamãe tinha achado ele na rua e trouxe para mim. Quando papai atropelou, quis me dar outro, mas não ia ser a mesma coisa.
― Coitado do seu gato. Eu gosto de cachorros, mesmo com toda sujeira, ter de alimentar, banhar, essas coisas, ainda assim prefiro cachorro. ― Bia pegava o gatinho fujão com todo o cuidado para colocar perto da mãe, que abriu os olhos e puxou o filhote, lambendo-o todinho, até virava ele de um lado para o outro com as perninhas para cima. Começamos a rir.
― Quando eles abrirem os olhos, eu dou a Shiva para você, quer? ― Ela olhava para o gatinho quando fez a pergunta.
Por esse motivo, não percebeu minha cara de felicidade com a oferta. Eu nunca mais quis criar outro gato, mas esse era diferente, esse era um presente da Bia para mim. Claro que queria.
― Quero sim. Não levo agora todos porque a mãe deles vai trazer tudo de volta para cá. E por que ele se chama Shiva? Você sabe quando é ele ou ela? Porque eu só vou saber depois de grande.
― Acho que o nome Shiva serve tanto para macho como para fêmea. Também é bonito, imponente, é diferente e, como ele ou ela vai ser todo branco, achei legal. E você ainda não respondeu minha pergunta. ― Estávamos sentadas no chão perto dos gatinhos quando vi e senti a mão de Bia fazendo carinho disfarçadamente na minha. Fiquei tão surpresa que nem coragem de responder ao carinho eu tive. O jeito foi fingir que não tinha percebido e deixar a mão no local.
― A mamãe e dona Luíza combinaram de entregar umas roupas usadas no orfanato e eu vou com elas. Você vem também? ― Fiquei olhando para nossas mãos, que ela entrelaçava e soltava, soltava e entrelaçava, sem tirar os olhos do contato entre a pele numa carícia gostosa.
― Para ficar perto de você, eu vou para qualquer lugar. ― Foi só um sussurro, mas ouvi muito bem. Quando ela percebeu o que tinha dito, deu uma desculpa: ― Quero dizer... vai ser uma boa. O que acha de chamar as meninas? Daí, enquanto as coroas fazem a boa ação do dia, nós ficamos de boa em qualquer sorveteria próxima. O que me diz? A ideia é boa?
― Se é boa? É ótima. Vamos lá para dentro. Enquanto se arruma, eu ligo para as meninas encontrarem a gente lá próximo ao orfanato.
Dei mais uma olhada para Shiva, meu gatinho, e entramos na passagem da cozinha para o quarto de Bia. Minha mãe me viu e me chamou. Fiquei um pouco triste, eu queria ter subido junto, me sentar na sua cama e conversar enquanto ela se arrumava.
Mamãe me chamou para nada, só para ficar perto dela. Quando estava só nós três, comecei a mandar mensagens. A primeira foi para minha best friend Rosely, que aceitou na hora e ainda pediu para chamar meu irmão Matias; em seguida, Bethânia e Lara, e pedi - pedi não, implorei - para que não chamassem a Ana Clara. Não sabia se elas atenderiam ao pedido, mas estava rezando. Guardei o celular e fiquei por ali conversando nada de interessante com dona Luíza e minha mãe, que eu desconhecia, de tanta gargalhada que dava. Eu nunca tinha visto minha mãe tão solta e de bem com a vida.
― Estou pronta, galera. ― Bia, escorada no umbral da porta, sorria, penteada e muito cheirosa. Usava uma camiseta preta de manga cavada com um blusão de capuz todo aberto por cima, uma calça também preta muito justa indo até o meio da perna, uma meia dessas que jogadores usam e uma bota cano curto também preta. Aliás, a única cor viva era do casaco vermelho com quadrados brancos da cor da bandana que amarrava parte da cabeça, uma pulseira colorida em cada pulso e, para lascar tudo, uma corrente fina de ouro pendurada no pescoço com um pingente formando a letra B incrustado no meio de um filete de prata. Linda, ela toda estava linda.
Não sabia se estava babando, mas procurei mentalmente um buraco para enfiar minha cabeça, igual o avestruz faz, quando percebi minha mãe e dona Luíza olhando para a forma como eu olhava para Bia. Ainda vi dona Luíza cochichar alguma coisa no ouvido da minha mãe e esta empurrar com o quadril a loira, que foi jogada para longe e sorria para dona Fabiana de uma forma que eu achei descarada.
― Então estou bonita? ― Bia perguntou para todos, mas o olhar era dirigido a mim, que não tive coragem de dizer "está linda, meu amor", e seu sorriso era muito parecido com aquele que a mãe dela estava oferecendo à minha.
― Está, meu amor, está linda. Você é o meu sonho que virou realidade, bonequinha da mamãe. ― Dona Luíza abraçou a filha e ficou assanhando o cabelo dela. Da forma que estava assanhado, não ia prejudicar em nada o penteado, mas Bia tentava se afastar do abraço, sem muito sucesso. Minha mãe foi quem pegou a chave do carro que estava em cima da mesa e gritou:
― Lu, se a gente não sair agora, vai ficar tarde para fazer a doação. Sabe como o padre é atarefado e eu não pretendo passar a tarde sentada num banco de capela por causa das suas brincadeiras. ― Mãe e filha olharam para dona Fabiana e, sem mais uma brincadeirinha, seguiram minha mãe.

Não demoramos uma hora na entrega das roupas para o padre Caetano. O problema era que madre Paulina, quando via minha mãe, dava um rosário de conselhos. É que a madre foi professora da mamãe e de dona Luíza no passado e, quando avistou suas ex-alunas, a conversa foi longa.
Meu celular vibrou no meu bolso e eu peguei, desbloqueei e li a mensagem.
"Marina, já chegamos, estamos aqui do lado de fora."
Eu escrevi e, antes de mandar, Bia se aproximou eu mostrei a mensagem.
"Quem veio?"
"Todo mundo."
"Nomes."
Ela mandou vários emojis de carinha zangada.
"Eu, Lara, Rosy e seu irmão, que está lá no canto examinando a língua dela com a dele. O Marcos vai encontrar a gente lá, seja onde lá for, é só mandar a localização que ele vai."
Bia lia as mensagens em pé atrás de mim, meu corpo colado ao dela sem toque de mãos, só corpo e cheiro. O que eu estava sentindo com essa aproximação eu não sabia nem dizer em palavras. Tudo dentro de min pedia mais contato, minhas pernas tremiam e minha respiração acelerou. Só então eu sentia que a respiração dela também estava acelerada.
Olhei para todos os lados, ninguém prestava atenção em nós duas. Foi então que eu dei uma de doida. A mão que não estava segurando o celular, eu passei para trás, encontrando a dela, e trouxe para a frente do meu corpo, deixando-a em cima do meu estômago. Ela deu um aperto e minhas pernas tremeram leve. Bia respirou fortemente e pediu:
― Não faça isso, que eu sou capaz de uma loucura. Minhas pernas estão tremendo e minha vontade é de te abraçar de frente e me perder na sua boca.
Uma vez, eu ouvi os evangélicos gritando na praça com a Bíblia na mão que a palavra tem poder. A palavra pode tudo. Agora eu acredito, pois essas poucas palavras sussurradas no meu ouvido também me levaram à loucura. Eu não sabia expressar o que estava sentido, mas com certeza, se minha pele fosse branca, eu estaria mais vermelha do que um pimentão. Nessa hora eu agradecia aos Deuses pela cor da minha pele marrom café. Talvez por isso eu não ficava amarela ou branca quando sentia medo, nem vermelha quando sentia vergonha, mas subia um calor no meu rosto que parecia incendiar e minha voz falhava. Eu sentia até falta de ar.
― Meninas, venham cá ― dona Luíza gritou e tomamos um susto tão grande que eu pulei. Bia também ficou nervosa, foi até onde a mãe estava, e eu fiquei travada no meu canto, sem forças nas pernas para sair. Parecia que tinham me pego no flagra. Fiquei mais sem graça quando elas voltaram e minha mãe vinha fazendo aquele exame de raio-x que ela sabia fazer.
― Minha flor, a Biazinha está dizendo que as meninas estão todas aqui e que vocês vão sair tudo juntas.
― Achei melhor a senhora passar a tarde com dona Luíza e nós vamos andar por aí. O Matias também veio e o Marcos vem também ― falei de uma vez só, sem olhar para Bia.
― Pode ir, mas não cheguem muito tarde.
Quando todas saímos, a turma estava toda lá fora, comprovando o que dizíamos. O carro de Matias virou uma lata de sardinha com tanta gente dentro. Lara, como não era besta, sentou no colo de sua namorada. Eu sentia um pouco de inveja. Queria eu estar agora sentada no colo de Bia, que parecia querer a mesma coisa, pois não parava de olhar para as meninas e fazer piadinhas.

🏳️🌈Marina Ama Biatriz (Meu primeiro amo)r Vol. 01 ( Romance Lésbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora